Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

Precisamos falar sobre a formação dos especialistas ESG

É difícil formar, recrutar e remunerar profissionais qualificados para o mercado ESG

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Especialistas ESG são os profissionais mais demandados e mais bem pagos do mercado financeiro na Europa.

Notícias recentes da Bloomberg e da Financial News, baseadas em entrevistas a empresas de recursos humanos, indicam que o(a) diretor(a) ESG de uma instituição financeira pode lograr ter compensações anuais de 350,000-1 milhão de libras (de R$ 2,6 milhões a R$ 7,4 milhões), o dobro do ano passado e acima de posições hierárquicas equivalentes em outras áreas dentro da mesma organização.

Este semestre, entre os cerca de 80 alunos da cadeira em Sustainable Finance na NOVA School of Business and Economics que acabou de terminar, cerca de um terço recebeu propostas de emprego ou de estágio na área –a cerca de 6-12 meses antes de concluírem os seus mestrados. As propostas vieram de instituições financeiras na América do Norte e em vários países europeus.

Esta coluna já descreveu o problema da escassez de especialistas ESG no mercado, incluindo o brasileiro. A maioria das escolas de negócios tem gradualmente ajustado a sua oferta formativa para incluir disciplinas em sustentabilidade, economia e finanças, mas o desequilíbrio entre demanda e oferta vai permanecer por mais alguns anos.

Homem verifica plantas em sua fazenda aquapônica, que reutiliza água de tanques de peixes para cultivar hortaliças no Cairo, Egito - Mohamed Abd El Ghany - 30.jun.2021/Reuters

E surge uma outra pergunta que talvez seja ainda mais premente. Que especialistas ESG estamos formando? O que é, na verdade, um especialista ESG? Acriticamente poderíamos dizer que é uma pessoa que está equipada para produzir e utilizar políticas, práticas e dados ESG com o objetivo de melhor a performance financeira de uma organização, de diminuir a sua exposição a risco ou de gerar mais impactos sociais ou ambientais positivos.

Mas todas estas dimensões são fluídas e passíveis de múltiplas interpretações. O mercado ESG, dado o seu caráter embrionário, ainda carece de especificações, padrões e universalização. ESG leva a mais lucros? Depende. Qual a melhor metodologia para reportar dados ESG? Depende. ESG está relacionado à geração de impacto positivo? Depende. Os dados ESG são fundamentais para avaliar risco? Depende.

Esta diversidade de sentidos é terreno fértil para greenwashing profissional. Sem saber o que procurar e como avaliar, muitos empregadores sentem-se incapacitados para recrutar e identificar talento. Começam a despontar as biografias com esteróides, as especializações de fim de semana ou a contratação de perfis equivocados. Poucos diretores de recursos humanos têm o necessário faro canino ou a audição paquidérmica para identificar qualidade.

Para ampliar as dificuldades, ESG é um campo necessariamente multidisciplinar. Ter formação em finanças pode ser pertinente, mas especialistas ESG têm também que ter alguma proficiência em alterações climáticas, direitos humanos, sociologia ou Direito.

É um estuário onde desaguam juristas, engenheiros, cientistas sociais e administradores e onde os paredões profissionais e formativos cedem perante a necessidade de se adotar uma visão holística sobre o desempenho de uma empresa e o contexto em que ela opera.

Por isso, um bom profissional ESG não é apenas aquele que domina os acrônimos, os conceitos, as práticas ou os cálculos sobre sustentabilidade, mas, sobretudo, aquele que mostra apetência para a adaptabilidade. Os alunos, incluindo os da graduação e do mestrado, não devem ser educados para se apropriarem estaticamente de um determinado tipo conhecimento, mas para serem agentes ativos na sua desmontagem, montagem e reciclagem.

Um especialista ESG é, acima de tudo, aquele que demonstra ter habilidades analíticas; pensamento inovador e criativo; adaptabilidade e flexibilidade; iniciativa, curiosidade e empreendedorismo; resiliência; e capacidade de influência e de trabalhar em equipe. Se tudo isto representa um cardápio de habilidades que é valorizada em muitas áreas profissionais, no universo ESG tem uma dimensão ainda mais agudizada.

A marcante valorização dos profissionais ESG no mercado europeu deriva sobretudo da insuficiência de oferta. Mas resulta também da complexidade associada à sua função e das múltiplas valências que precisam dominar. Nas devidas proporções, é quase um regresso ao homo universalis renascentista ou aos polímatas da Antiguidade grega.

Na próxima semana esta nova turma da cadeira em Sustainable Finance vai fazer o exame final. Em vez de pedir aos alunos para calcularem os fluxos de caixa descontados de uma empresa integrando dados ESG, os mestrandos em finanças receberão perguntas abertas, daquelas que assustam por serem tão pouco condicionadoras e que permitem que duas respostas antagônicas possam estar corretas.

Esta amplitude e ambivalência gera inicialmente um desconforto estomacal para alunos exímios em matemática. Mas quem conseguir exibir autonomia, adaptabilidade e sentido crítico terá boas notas. São esses que se tornarão os melhores profissionais ESG.

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