Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva
Descrição de chapéu Previdência inss

O governo está pouco se lixando para o INSS

Desoneração da folha de pagamento prejudicará a arrecadação previdenciária

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Não era verdade quando os nossos políticos esboçavam preocupação com a saúde financeira da Previdência Social brasileira.

Desde a década de 1990, com Fernando Henrique Cardoso até Bolsonaro, as principais reformas da Previdência foram precedidas de discursos emotivos cuja principal justificativa era o endurecimento das regras para o sistema não entrar em colapso.

Em 2019, na última reforma da Previdência, novamente foi invocado o sacrifício de todos em prol da sustentabilidade do sistema previdenciário.

Não demorou muito e, ao contrário do que se afirmava, foi aprovada no Senado Federal a reforma administrativa desonerando a folha de pagamento de empresas em detrimento da arrecadação do INSS. O governo, que outrora protagonizou reformas draconianas achatando os valores dos benefícios, também é o mesmo que estimula a redução da fonte de custeio desse mesmo sistema previdenciário.

Mulher de óculos escuro, camiseta preta de manga longa e calça jeans caminha em frente a uma agência do INSS, que tem uma placa escrito Previdência Social e vidros azulados.
Mulher passa em frente a agência do INSS no Jabaquara, na capital paulista - Rubens Cavallari - 28.set.23/Folhapress

Mais uma vez, portanto, o governo deu um duro golpe nas contas da Previdência Social. Ainda dependendo da sanção presidencial, e tem forte chance de aprovação, a nova lei que dilata a reforma administrativa prorrogará o prazo de vigência referente à contribuição previdenciária sobre a receita bruta e ao acréscimo de alíquota da contribuição social para o financiamento da Seguridade Social.

Em outras palavras, boa parte do que seria vertido a título de contribuição previdenciária patronal deixará de ocorrer. A Seguridade Social, inclusive a parte que toca a Previdência Social, sofrerá também severa diminuição da arrecadação.

O projeto de lei aprovado prorroga até 2027 a chamada desoneração da folha salarial, incentivo fiscal que permite a empresa substituir o recolhimento de 20% de imposto sobre sua folha de salários por alíquotas de 1% até 4,5% sobre a receita bruta.

O texto aprovado também determina a redução, de 20% para 8%, da alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha dos municípios com população de até 142 mil habitantes. O Congresso Nacional (e possivelmente o presidente Lula com sua sanção) colaborou mais uma vez para desmantelar o equilíbrio financeiro da Previdência.

A estimativa da Receita Federal é deixar de arrecadar R$ 9,4 bilhões por ano, o que em até 2027 corresponde a R$ 37,6 bilhões. Cabe salientar que essa prática ocorre desde 2012.

Ora, se há pouco tempo era necessário na última reforma da Previdência, de 2019, diminuir o valor de benefícios previdenciários a pretexto da saúde financeira do sistema, não faz sentido agora o mesmo governo cogitar e autorizar reforma reduzindo a arrecadação previdenciária.

Se as contas do INSS não estão boas, como se argumenta em toda reforma previdenciária, que se tenha coerência para preservar sua integridade financeira, em vez de autorizar a evasão de arrecadação.

O financiamento do INSS se baseia em várias fontes de custeio, sendo a principal dela a contribuição previdenciária oriunda do salário do trabalhador e da empresa.

Além da contribuição previdenciária, o INSS também recebe recursos de outras fontes, como o PIS/Pasep, a Cofins e a CSLL, que são contribuições sociais pagas pelas empresas. A reforma administrativa altera a contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta e Cofins.

Não é a primeira vez que o governo age na contramão dos interesses da saúde financeira previdenciária. Indiretamente a flexibilização das regras trabalhistas, ao estimular a contratação de autônomo e trabalhadores intermitentes, também causa redução na arrecadação dos vínculos empregatícios formais, tradicionalmente importante fonte de arrecadação.

A Desvinculação de Receitas da União (DRU) foi outra atuação daninha oriunda da criatividade dos nossos políticos. Criada em 1994, a DRU autorizava o governo federal usar livremente 20% (depois majorado para 30%) de todos os tributos federais vinculados, sendo a contribuição social a principal delas.

O governo criou um mecanismo de sacar parte do que o INSS arrecadava para gastar com outras despesas, favorecendo assim o desmantelo do caixa previdenciário.

A generosidade de inúmeros Refis, incentivo à regularização de débitos previdenciários que permite o pagamento de dívidas com descontos de até 100% na multa e juros, e parcelamentos infindáveis, foi outra medida que desorganizou financeiramente os cofres do INSS, além da leniência estatal da autarquia em cobrar dos grandes devedores previdenciários, deixando muitas vezes a dívida prescrever e ficando por isso mesmo.

Boa parte dos políticos que compõem os poderes Executivo e Legislativo já estão com sua aposentadoria garantida. Faz tempo. Não precisam receber salário proveniente do INSS para passar o fim dos seus dias, pois o patrimônio pessoal de muitos já garante o almejado sossego da velhice. Eles não estão preocupados com o futuro do INSS.

Ao argumentarem que o sistema previdenciário inspira cuidado, deveriam ser coerentes em buscar mecanismos de proteger o patrimônio dos brasileiros que dependem do Instituto. Evitar, por exemplo, a redução de arrecadação previdenciária por meio da desoneração da folha salarial. O governo está pouco se lixando para o INSS.

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