Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva
Descrição de chapéu Previdência inss

O milagroso e ineficaz remédio de reformar as regras do INSS

Mudanças nas regras previdenciárias têm mirado a lei de benefícios, em vez das engrenagens da lei de custeio

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O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, comentou publicamente o aumento no déficit da Previdência Social em 2023 ao ter registrado déficit de R$ 306,2 bilhões. Com o anúncio, subiu o sinal de alerta no equilibro orçamentário do governo.

Vieram as lamentações dos analistas de plantão sobre o impacto da despesa previdenciária na dívida pública, bem como as elocubrações se já é chegada a hora de fazer outra milagrosa reforma constitucional para regressão dos gastos. O tempo passa, mas o que não muda no Brasil é o pensamento simplista segundo o qual a retirada drástica de direitos é o principal caminho —e para alguns talvez o único— para a sustentabilidade do regime geral de Previdência Social.

Notas de reais
Pagamento de precatórios atrasados aumentou gastos do governo com Previdência - Adobe Stock

Diante do segundo pior resultado da série histórica, o secretário Rogério Ceron ponderou que a "Previdência é uma despesa que tem crescimento vegetativo e tem estoque, uma fila de beneficiário". Mas Ceron também teve a honestidade de reconhecer que o resultado deficitário das contas do governo teve impacto "expressivo" em razão do represamento de precatórios da ordem de R$ 93 bilhões, uma despesa atípica que não costuma fazer parte da rotina orçamentária.

Neste ponto em específico, justiça seja feita. O governo Bolsonaro incentivou que os precatórios fossem usados para pagar despesas diversas, inclusive as ocasionadas pela pandemia. O Congresso Nacional emplacou a ideia de usar o dinheiro de quem era credor da União, inclusive milhares de aposentados que precisaram reconhecer seus direitos demoradamente na Justiça, para dar um calote temporário, pagando com atraso tais credores.

O presidente Lula (PT), ao assumir, teve a coragem necessária em dar efetividade à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que alterou a sistemática de pagamento dos precatórios. Tal medida gerou a necessidade de, em 2023, pagar todos os precatórios não quitados na época própria.

O pagamento de R$ 93 bilhões em precatórios atrasados evidentemente aumentou os gastos previdenciários que deveriam ter sido pagos na gestão Bolsonaro, mas só ocorreu agora.

Mesmo considerando esse gasto extraordinário e atípico, herança onerosa na troca entre governos, é normal na área previdenciária a sazonalidade do pensamento reformista. Não foi diferente agora, já que começam especulações de ser necessário o amargo remédio da reforma como solução do resultado deficitário.

Nos últimos anos, independentemente de ser governo de esquerda, de centro ou de direita, as reiteradas reformas constitucionais no núcleo das regras previdenciárias têm mirado a lei de benefícios, em vez das engrenagens da lei de custeio. Tal comportamento é sintomático, uma vez que a lei de benefícios regula o reconhecimento e a concessão de direitos, o que por sua vez ocasiona os gastos.

Ao proceder dessa forma, o pensamento do legislador, historicamente ignora como anda o sistema arrecadatório do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Aliás, muitos dos nossos parlamentares, em sua maioria já aposentados, afortunados que são, não se preocupam com o destinatário da proteção social, o trabalhador, principalmente a depender de quanto ele vai ser beneficiado em emendas parlamentares ou outro tipo de negociata.

Recentemente, o Congresso Nacional estimulou que milhares de empresas em todo país diminuíssem a arrecadação do INSS, uma vez que a reforma tributária admite à desoneração da folha de pagamento com a redução da alíquota da contribuição previdenciária patronal.

São vários exemplos de que nossos representantes políticos chancelam regras para diminuir a arrecadação do INSS, mesmo tais pessoas reconhecendo que há um rombo financeiro previdenciário. Poderia citar as edições dos generosos Refis (programa de recuperação fiscal) ou a DRU (desvinculação das receitas da União), que permitia o governo sacar 30% da arrecadação do INSS para gastarem ao seu alvedrio.

As reformas previdenciárias no Brasil têm sido feitas a qualquer custo para conter gastos, desprezando o melhoramento do sistema normativo de arrecadação. Ao contrário disso, quando se resolve mexer na lei de custeio, é para diminuir a arrecadação previdenciária. Inevitavelmente, tais medidas interferem para que o resultado seja deficitário. E, portanto, os gastos do INSS sejam eleitos como vilão da dívida pública, acompanhado do argumento infalível de que o envelhecimento do brasileiro justifica a severidade das mudanças.

De fato, o envelhecimento é algo a se preocupar em qualquer regime previdenciário, mas nunca foi o principal problema do INSS. Para isso se elabora e se acompanha os estudos atuariais. Afinal, não é só o brasileiro que ganhou em longevidade, mas o mundo todo. Nem por isso noutros países se observa reformas drásticas em tão curto espaço de tempo. O problema não é o brasileiro viver mais, mas é o velho hábito de não respeitar as regras de arrecadação.

No Brasil, seja um mero empregador doméstico ou uma grande empresa, se banalizou sonegar a contribuição previdenciária, quando não o próprio legislador protagoniza a legalização dos desfalques nos cofres da Previdência Social.

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