Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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O que o indiciamento de Trump muda na pré-candidatura de DeSantis

Rivalidade entre republicanos ganha nova roupagem; resta saber se governador da Flórida saberá utilizá-la

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The New York Times

Existe em um certo tipo de analista político a ideia —que eu presumo que tenha suas origens numa crença profundamente arraigada na vingança de Deus Todo-Poderoso— de que, pelo fato de os republicanos merecerem Donald Trump moralmente, o carregarão com eles sempre, aconteça o que acontecer. Que, tendo recusado tantas oportunidades de adotar uma postura justa contra ele, serão condenados a parar à beira de uma terra prometida pós-Trump, olhando pateticamente para a outra margem do rio Jordão, enquanto mais uma vez atrelam sua sorte à do Falso Messias Alaranjado.

Essa ideia está por trás de algumas das reações ao indiciamento de Trump e ao efeito mobilizador imediato que ele produziu entre os republicanos, tanto que o principal (provável) rival do ex-presidente, Ron DeSantis, não apenas criticou a ação supostamente exagerada dos promotores, como prometeu algum tipo de refúgio para Trump na Flórida, caso este decida tornar-se fugitivo da Justiça de Nova York.

Idoso loiro de perfil com céu azul ao fundo
O ex-presidente dos EUA Donald Trump durante comício em Waco, no Texas - Leah Millis - 25.mar.23/Reuters

Certa parte da narrativa da mídia já estava se voltando contra DeSantis ou pelo menos reduzindo as previsões de suas chances de vitória, em parte porque ele ainda não revidou com força qualquer um dos ataques desvairados de Trump. Agora, com o indiciamento tendo levado o governador da Flórida e a maioria da liderança republicana a sair em defesa de Trump, é provável que essa narrativa se endureça. É provável que este não passe de mais um estudo de caso de como as figuras republicanas mais destacadas nunca conseguem de fato ficar contra Trump e serão condenadas a indicá-lo novamente como candidato presidencial em 2024.

Na realidade, a política eleitoral do indiciamento é tão obscura quanto era quando o indiciamento era apenas hipotético. Podemos imaginar, sem dúvida, um momento em que um processo judicial de aparente motivação política una os conservadores indecisos a Trump, facilitando o caminho deste à indicação republicana. Mas podemos, igualmente bem, imaginar um mundo em que o puro e simples caos implícito em seu envolvimento com a Justiça acabe sendo motivo para mesmo alguns fãs do ex-presidente apostarem em outro nome.

Seja como for, a resposta de DeSantis e de outros agora —sua defesa provisória de Trump contra um promotor democrata— não é o que o vai determinar as consequências políticas do indiciamento.

Já argumentei isso antes, mas não há porque não repetir: a teoria de que, para derrotar Trump, outros republicanos precisam merecer derrotá-lo, e que para merecer derrotá-lo eles precisam atacar o caráter do ex-presidente com forte indignação moral, é uma ideia que satisfaz, mas não é nem um pouco realista. Não é crível que eleitores republicanos que já votaram em Trump diversas vezes, com plena consciência de seus defeitos imensos, vão finalmente ceder ao argumento moral, apenas porque DeSantis ou outro rival o apresenta de alguma maneira nova e instigante.

Em vez disso, o argumento plausível para atacar Trump numa primária republicana sempre tem sido baseado na competência e execução, caracterizando a torpeza moral do ex-presidente como um obstáculo prático a que as coisas sejam realizadas. E nada que diga respeito a defender Trump contra um promotor democrata dificulta a apresentação desse argumento.

Dá para imaginar DeSantis no palco de um debate: "Sim, condeno a caça às bruxas que levou a este indiciamento. Mas o padrão seguido por meu adversário facilita demais as coisas para os liberais. Se você está pagando uma atriz pornô para garantir o silêncio dela, está dando ao outro lado aquilo que ele quer."

"Foi a mesma coisa ao longo de toda a Presidência de Trump: o drama todo, o caos, tudo isso acabou servindo aos interesses dos democratas, do Estado profundo. Ele atacava os lockdowns nas redes sociais enquanto o Dr. Fauci, que trabalhava para ele, os estava implementando. Ele tentou tirar nossas tropas do Oriente Médio, mas deixou os generais "wokes" do Pentágono ignorar suas ordens. Ele não terminou de construir o muro porque estava constantemente distraído com outras coisas; havia uma nova leva de vazamentos de sua Casa Branca a cada semana. Ele tem queixas válidas sobre a eleição de 2020, sobre como o outro lado alterou leis eleitorais às pressas durante a pandemia —mas ele era o presidente, e ficou apenas observando enquanto faziam tudo isso. Estava ocupado demais escrevendo no Twitter."

"Admiro o que ele tentou fazer. Ele realmente realizou algumas coisas importantes. Mas nossos adversários lutam para ganhar, eles lutam sujo, e vocês merecem um presidente que não vá para a luta cheio de ferimentos autoinfligidos."

Esse argumento será o bastante? Talvez não. Com certeza não tem o poder persuasivo fundamental em que Trump é especialista, com o qual aquelas feridas autoinfligidas são convertidas em prova de que ele é o homem que está no ringue, ele é o lutador de quem você precisa. Não fosse assim, por que outra razão ele estaria pingando sangue?

Mas é o argumento do qual DeSantis dispõe, o argumento com o qual ele tem que trabalhar. E nada em sua lógica vai mudar quando Trump for criminalmente acusado e tiver que deixar suas impressões digitais registradas.

Tradução de Clara Allain

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