Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Greve de Hollywood traz lições sobre regulação da inteligência artificial

Negociações estabeleceram novas regras sobre como a indústria do entretenimento pode, e não pode, usar a IA

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A greve dos escritores de Hollywood, encerrada recentemente, merece atenção por ter levantado questões importantes sobre como regular o uso da inteligência artificial (IA) e como essa tecnologia afetará as relações no mercado de trabalho. Uma das razões mais importantes para o movimento foi o receio dos escritores em perder seus empregos e em ter suas competências possivelmente desvalorizadas com o uso de linguagens generativas.

O encerramento da greve veio com a garantia da manutenção de um número mínimo de empregos e maiores salários, mas os roteiristas conquistaram algo indiscutivelmente mais importante: novas regras sobre como a indústria do entretenimento pode, e não pode, usar a IA. As empresas de entretenimento foram proibidas de usar a IA generativa diretamente para escrever ou reescrever roteiros, enquanto autores podem optar por usá-la como ferramenta.

Membros do sindicato de roteiristas de Hollywood protestam em Los Angeles, nos Estados Unidos - Mario Anzuoni/REUTERS

Será essa conquista suficiente para proteger os seus empregos, à medida que a tecnologia evolui? Pode ser que sim, se nos próximos anos a IA for usada para aumentar a produtividade dos roteiristas e se eles permitirem que suas funções sejam ajustadas ao longo desse processo.

Essas são duas condições cruciais não apenas para os roteiristas, mas para qualquer trabalhador em um mundo em transformação. Hoje há muito mais postos de trabalho do que havia no início do século 21. Ao mesmo tempo, muitas ocupações que existiam no passado desapareceram devido à tecnologia.

Normalmente, os empregos evoluem com o uso da tecnologia em vez de desaparecerem de uma hora para outra. Em geral, as tarefas são modificadas ao longo do tempo, até que a nova versão do trabalho não se parece mais com a antiga. A rigor, o antigo emprego "desapareceu"; mas, se essa evolução vem com a incorporação das novas tecnologias, o trabalhador não desaparece.

O caso dos roteiristas é emblemático. Fato é que as novas regras não estão sendo impostas de cima para baixo, mas sim negociadas. Os trabalhadores que têm uma experiência diária com a nova tecnologia devem contribuir para a discussão sobre como ela está ajudando na produtividade, minando a privacidade ou criando desafios. Vale notar que os sindicatos foram cruciais para a implantação de outras tecnologias transformadoras, como a eletricidade, ajudando a moldar a indústria sem prejudicar a segurança dos trabalhadores.

Uma questão relacionada à necessidade de regular e, ao mesmo tempo, de não restringir todos os proveitos que as inovações tecnológicas podem trazer tem a ver com qual extrato dos trabalhadores está sendo mais afetado por tais inovações. Até o momento, os trabalhadores mais qualificados tendiam a se beneficiar mais da absorção da tecnologia porque ela complementava suas competências. Já a IA generativa pode realizar justamente as funções exercidas pelos trabalhadores mais qualificados: tarefas mentais e criativas em vez de físicas ou rotineiras.

Se os trabalhadores mais qualificados serão os mais atingidos, será que investir em qualificação dos trabalhadores continuará sendo tão relevante como é hoje? Voltando aos roteiristas de Hollywood, uma vez habituados com o ChatGPT, eles precisarão de menos horas para escrever a mesma quantidade de scripts com a mesma qualidade.

Já existem pesquisas que mostram que a qualidade e a velocidade de escrita aumentam quando as pessoas são treinadas para usar o ChatGPT de forma eficaz. A IA generativa levará a retornos crescentes à habilidade humana, e as pessoas mais qualificadas tendem a estar mais bem posicionadas para se adaptarem à medida que os empregos mudarem, encontrando formas de garantir que as suas competências sejam melhoradas pela tecnologia, e não substituídas por ela.

E o sucesso da negociação dos roteiristas deve reverberar também em outras formas mais tradicionais de emprego. Os negociadores do United Auto Workers (sindicato dos trabalhadores do setor automobilístico americano), por exemplo, estão atualmente buscando não apenas aumentos de salários, mas também investimentos na força de trabalho. O sindicato quer garantir que uma parte dos lucros gerados pela transição de veículos movidos a gás por elétricos sejam investidos em requalificação e realocação de trabalhadores.

O fato é que o uso da IA traz grandes desafios em termos regulatórios e de seus impactos sobre o mercado de trabalho como um todo. A negociação vista em Hollywood nos mostra que o debate está só no começo, mas promete ser acelerado.

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