Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu Maratona América Latina

'Vosso Reino' reflete Argentina atual ao expor promiscuidade entre religião e política

Série na Netflix explora lado sombrio dessas relações em segunda e última temporada

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As relações promíscuas entre política e religião sempre prejudicaram a Argentina —e tantos outros países da região—, da colonização espanhola às ditaduras do século 20, quando a Igreja Católica deu apoio a opressores e encobriu crimes contra a humanidade.

Hoje, muitas vezes são os religiosos das cada vez mais influentes igrejas evangélicas que se infiltram nas prefeituras e governos regionais, conquistando enorme poder também na política. Esta é situação mostrada na segunda e última temporada de "Vosso Reino", na Netflix, dirigida por Marcelo Piñeyro e escrita por Claudia Piñeiro.

Cena da série "Vosso Reino", da Netflix
Cena da série argentina 'Vosso Reino', disponível na Netflix - Divulgação

Obviamente, os méritos do trabalho dos religiosos dessas igrejas são visíveis, e a série chama a atenção para esse esforço. Além disso, ela não faz um ataque à fé, mas à atuação de certos personagens dessas igrejas.

Algo que "Vosso Reino" mostra muito bem é como a religião busca compensar a ausência do Estado na Argentina. Em bairros da grande Buenos Aires em que nem a polícia nem ambulâncias entram devido à alta criminalidade estão os "curas villeros", ou padres das favelas, esquentando sopas e distribuindo colchões —o papa Francisco era um deles.

Também são os bispos evangélicos que são chamados para colocar paz em prisões. Em Rosário, a capital do narcotráfico, quem sempre me acompanhava a regiões consideradas perigosas demais era um líder religioso local, respeitado por todos.

O que "Vosso Reino" expõe com mais vigor, porém, é o lado mais sombrio da relação de religiosos interesseiros com políticos corruptos, que usam suas conexões de poder em benefício próprio. Essa influência evangélica sobre a política, mais recente na Argentina, vem causando uma mudança na estrutura de poder do país vizinho.

Nesta temporada, Emilio Vázquez (Diego Peretti), dono de uma enorme habilidade retórica e supostamente capaz de realizar milagres, é presidente. Ele parece amedrontado —não à toa, já que de lá para cá vieram à tona escândalos de corrupção, lavagem de dinheiro e abuso de menores. Vários garotos com quem ele teve contato desapareceram.

Quem assume o papel de protegê-lo e, ao mesmo tempo, tomar conta do templo da família é Elena (Mercedes Morán), que controla, entre outras coisas, a entrada e a saída do dinheiro escondido sob as pedras do templo.

Tudo parece sob controle para o casal. Os negócios da igreja são cada vez mais lucrativos agora que Emilio é uma autoridade nacional e tem, além de poder sobre seus fiéis, cartas na manga para negociar com o Congresso e a oposição, além de dinheiro para eventuais subornos.

Mas Emilio tem opositores. E o mais perigoso deles não é um político de ideologia diferente, mas um ex-trabalhador de sua igreja que resolveu se descolar dela e virar um andarilho na fronteira da Argentina com a Bolívia.

Tadeo (Peter Lanzani, que interpreta o promotor-assistente de "Argentina, 1985") tem um auxiliar, um garoto que seria capaz de realizar milagres. Também vem recolhendo pelo país meninos abusados por seu ex-chefe. Emilio se apavora com a aproximação de Tadeo, que vê como "um diabo" e uma ameaça a seu poder.

No meio dessa trama, que apesar de soturna mostra paisagens maravilhosas do interior da Argentina, cabe uma reflexão sobre as eleições deste ano. Obviamente, a politicagem da atual campanha não está na tela, mas sim o caldo social, a pobreza, o oportunismo e a corrupção que tanto impactarão seus resultados.

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