Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Haiti, 2 anos após morte de presidente, mergulha mais fundo na crise humanitária

Falta de esclarecimentos sobre assassinato de Moïse abre caminho para que outras lideranças tenham mesmo fim

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No último dia 26, Martine Moïse lembrou o aniversário de seu marido, o presidente do Haiti Jovenel Moïse. Ele completaria 55 anos se não tivesse sido brutalmente assassinado em 7 de julho de 2021.

Hoje, parece que poucos ainda se lembram dele, a não ser pelo fato de o Haiti ter mergulhado, após sua morte, num período ainda mais profundo de crise humanitária, violência e desgoverno.

Na ocasião, Moïse levou 12 tiros e foi encontrado já morto, no meio da madrugada, em sua casa, em Porto Príncipe. Martine também levou tiros, mas se fingiu de morta e acabou sendo poupada.

Carreata tenta passar por bloqueio de estrada um dia antes do funeral de Jovenel Moise, em Cabo Haitiano, no Haiti
Carreata tenta passar por bloqueio de estrada um dia antes do funeral de Jovenel Moise, em Cabo Haitiano, no Haiti - Federico Rios Escobar - 22.jul.21/The New York Times

Na última semana, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, fez declarações sobre a situação no Haiti: "Não queremos uma ação militar ou política das Nações Unidas. Estamos convocando uma força de segurança robusta dos países para trabalhar junto à polícia nacional do Haiti".

Guterres se refere às tenebrosas cifras da violência que toma conta do país. Seu principal porto está bloqueado por gangues que também controlam o trânsito, o comércio e o acesso a combustível na capital. Essas gangues, segundo analistas, parecem mais cartéis e facções de crime organizado e menos as "maras" centro-americanas e suas ações de extorsão e sequestros.

No ano passado, a empresa estatal de água fechou suas portas, deixando grande parte da população sem água potável. Uma das consequências é um novo surto de malária e cólera.

Apenas em 2022, foram reportadas 2.200 mortes relacionadas à violência no país de 11,7 milhões de habitantes. O número de mulheres assassinadas aumentou 75% em relação a 2021. Apenas até abril deste ano, houve 600 assassinatos e 400 sequestros, de acordo com dados do International Crisis Group.

Nos protestos de haitianos nos últimos meses, há uma rejeição generalizada contra todos os países que já tentaram tomar para si a reorganização do Haiti, dos EUA ao Brasil. Também cresce a rejeição ao premiê Ariel Henry, que ocupou o poder na ausência de Moïse sem ser eleito para o cargo, não marcou novas eleições e nem tem data para isso. Parece estar ali por pura inércia e por não querer sair mais.

Nesse cenário caótico, as investigações para descobrir a razão da morte de Moïse parecem estar fora do foco dos haitianos, com preocupações muito mais urgentes. Por outro lado, a busca pelos assassinos e mandantes virou uma novela que avança lentamente e apenas abre mais e mais possibilidades. Já são 40 presos no país sob acusações de envolvimento no crime, entre os quais 20 mercenários colombianos que teriam sido contratados para tirar o presidente do mapa.

Nos EUA, onde também há uma apuração em curso, com mais de dez pessoas detidas, o Departamento de Justiça já veiculou que uma das hipóteses é que esses assassinos de aluguel obedeciam a um mandante que queria ocupar o cargo de Moïse. Entre as preocupações americanas está, ainda, o crescente fluxo de haitianos que tentam entrar maneira ilegal em seu território.

A frágil situação do Haiti demanda cuidados. Com um presidente morto, um líder atual sem legitimidade, sem Congresso e praticamente sem instituições, com a economia mal desde a época do terremoto de 2010 e a crise humanitária, é difícil pensar numa saída.

Ainda assim, em meio ao caos, é importante que o caso de Moïse seja esclarecido. Como afirma a carta aberta da ONG Office of Citizen Protection, "falhar na elucidação desse crime abre caminho para o assassinato de outras lideranças, com o mesmo nível de crueldade e barbárie".

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