Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Provável reeleição de Bukele abre espaço para chamá-lo de ditador

Com chance de vencer já no 1º turno, atual presidente de El Salvador contradiz Constituição ao concorrer

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Contradizendo a Constituição, que impede a reeleição em El Salvador, e mesmo com as mãos sujas de sangue, o atual presidente do país, Nayib Bukele, 42, é o favorito para vencer a votação no próximo domingo (4). Segundo pesquisas, a vitória poderá vir já no primeiro turno da eleição.

Bukele tem uma aprovação de 81,9% dos salvadorenhos, segundo a Universidade Centroamericana. A razão pela qual dificilmente outra instituição do Estado pouco pode fazer para impedir sua candidatura irregular é que, além de o Congresso ter uma supermaioria bukelista, muitos dos juízes da Corte Suprema foram nomeados pelo atual presidente, assim como integrantes dos tribunais eleitorais.

Pessoa segura pôster com a foto do presidente de El Salvador, um homem com barba e boné
Eleitores acompanham comício da campanha do partido populista Nuevas Ideas, ao qual pertence o atual presidente de El Salvador, Nayib Bukele, cujo rosto está estampando no pôster da foto - Jose Cabezas - 20.out.2023/Reuters

Há uma resistência da comunidade internacional de chamá-lo "ditador", mesmo que ele impeça pessoas de saírem de suas casas sem o devido processo legal, cerque cidades por dias à procura de "delinquentes", e tenha prendido cerca de 2% da população do país na tentativa de acabar com as "maras" (gangues). Talvez essa provável reeleição seja o momento de rever o uso do termo.

As "maras" de fato são um problema de segurança que enche de sangue países como El Salvador, Guatemala e Honduras. Praticam tráfico de drogas, extorsão, recrutamento de crianças e sequestros.

A população adorou quando Bukele foi para cima das "maras", depois de tentar negociar com elas e não ter resultado.

Construiu presídios gigantes em que os presos comem uma vez ao dia e só saem juntos para sua hora de sol, algemados.

Segundo entidades de direitos humanos, já morreram 300 detidos sob custódia do Estado nesses quase dois anos em que El Salvador esteve sob estado de exceção.

Mas Bukele tem tudo pensado há tempos para o cargo que exerce agora —e para o "supercargo" que exercerá caso ganhe no próximo domingo.

O início da carreira deste filho de imigrantes palestinos teve o apoio do pai, comerciante, desde o início. A estratégia foi buscar uma cidade pequena que servisse de laboratório. Escolheu a pequena Nuevo Cuscatlán, a quem chama "meu bebê".

Os moradores dizem ter boas lembranças dele, mas afirmam que, em vez de resolver os problemas infraestruturais da cidade, Bukele preferiu construir no centro histórico uma torre que funciona como shopping, parque de diversões e cinema.

De Nuevo Cuscatlán, Bukele passou à prefeitura da capital, San Salvador. Foi com obras modernas que passou a adotar o boné e se mostrar jovem e divertido. Focou sua atenção nos jovens e aí capturou uma faixa de eleitores que já tinha visto tanto o Arena (direita) como o FMLN (esquerda) no poder, sem melhorias em suas vidas e com muita corrupção. A aposta em Bukele, nesse cenário, era apenas óbvia.

Se Bukele vencer a reeleição, entusiasmará vários governos e partidos de direita pela América Latina. Seu mais recente admirador é o novato Daniel Noboa (Equador), que fez uso de imagens de presos seminus deitados no chão durante a crise de violência que o Estado enfrenta.

A oposição colombiana gosta de citar Bukele como quem diz "essa sim é a paz total", numa crítica à difícil negociação do presidente Gustavo Petro com as facções criminosas e a guerrilha —ele prefere a via do diálogo.

Em termos de propaganda, pode até funcionar. Mas a pergunta que fica é: qual o poder mágico que têm essas prisões de recuperar seus reclusos? Ou ficarão ali até apodrecerem? E da cadeia, com um pouco de suborno, já sabemos, pode-se comandar exércitos de criminosos fora.

Agora Bukele está bem na foto. Mas a médio e a longo prazo, o que será desses presos, especialmente os inocentes e menores de idade?

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