Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Caso de escritor preso na década de 1970 ainda é ferida aberta em Cuba

Heberto Juan Padilla questionou imposições ideológicas na produção artística feitas por regime

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Depois de percorrer festivais, concorrer a prêmios, ter motivado aplausos pelo mundo e reacendido o debate sobre a liberdade de expressão em Cuba, "El Caso Padilla" ainda não pode ser visto em nenhuma plataforma de streaming no Brasil —apenas para confirmar a posição de marginalidade e desinteresse pela cultura latino-americana que há no país.

Quem tiver a oportunidade de ver a obra, não deve perder esse momento de sorte. "El Caso Padilla" é um documentário dirigido por Pavel Giraud, cubano radicado na Espanha.

Carro passa por bandeira dos Comitês de Defesa da Revolução (CDR) em Havana, a capital de Cuba
Carro passa por bandeira dos Comitês de Defesa da Revolução (CDR) em Havana, a capital de Cuba - Yamil Lage - 27.set.23/AFP

Heberto Juan Padilla (1932-2000) foi um dos tantos intelectuais cubanos que se animou e vestiu a camisa da Revolução Socialista (1959) quando esta surgiu, transformou Cuba e contagiou a esquerda internacional.

O entusiasmo, porém, não duraria muito. Padilla começou a sinalizar abertamente que o regime tentava regular e controlar a atividade editorial do país. O ruído cresceu tanto que o poeta e escritor foi preso em 1971.

A acusação? Ter publicado "Fuera del Juego", um livro de poemas que questionava imposições ideológicas na produção artística. Foi considerada uma "ação subversiva".

O caso Padilla marcou um antes e um depois na relação entre intelectuais do mundo todo e a Revolução. O charme, a novidade e a promessa de renovação política que emanavam da figura de Fidel Castro (1926-2016) e ressoavam principalmente na Europa e na América Latina sofreram um baque.

Vários se reuniram para um abaixo-assinado, e as principais plumas daquele tempo pediram, numa carta endereçada diretamente a Castro, a liberação de Padilla.

Um dos que desistiu de crer na Revolução exatamente por esse episódio, por exemplo, foi o peruano Mario Vargas Llosa (sim, ele já foi de esquerda). Também Guillermo Cabrera-Infante, a quem Padilla admirava muito e que terminaria radicando-se em Londres para nunca mais voltar. Também se posicionaram pela soltura do poeta e escritor o argentino Julio Cortázar, a americana Susan Sontag e o francês Jean-Paul Sartre, entre outros.

Depois de trinta e sete dias de encarceramento e tortura, Padilla foi solto. Mas havia uma contrapartida. Ele deveria dar um discurso, que ocorreu em 27 de abril de 1971, na sede da União dos Escritores e Artistas de Cuba, em Havana. Houve uma convocatória oficial do regime para que todos os escritores e artistas comparecessem. Era necessário lotar o auditório para a sessão vergonhosa pela qual Padilla teria de passar.

Como já se havia feito durante o stalinismo, na então União Soviética, ou na China da Revolução Cultural, em Cuba obrigaram Padilla a se autoculpar. Seu discurso de quatro horas foi um enorme mea-culpa, em que afirmava ser um "contrarrevolucionário", praticamente pedindo desculpas a Castro.

Há investimento cinematográfico na "confissão" de Padilla, várias câmaras nele e também no público, como que para examinar as reações dos demais artistas.

Dessas quatro horas, Giraud mostra 60 minutos no filme, o que já é o suficiente para transmitir o mal-estar, o desespero, visível na voz, no gestual e no suor que escorria do rosto de Padilla.

O escritor tentou, logo depois, deixar a ilha, mas o regime não permitiu até meados dos anos 1980. Ele viveu em Nova York, Washington, Madrid, e terminou seus dias em Princeton.

Mais de 20 anos após sua morte, escritores continuam sendo perseguidos e condenados ao exílio por expor o regime, principalmente depois dos protestos de 11 de julho de 2021. Um deles é Abraham Jiménez Enoa, que acaba de lançar na Espanha "La Isla Oculta". Em alguns pontos, parece algo que Padilla poderia ter escrito.

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