O Pior da Semana

Escritora Tati Bernardi transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha

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O Pior da Semana
Descrição de chapéu Todas

Meu cinismo não se conforma, mas os sinais seguem aparecendo para mim

Henrique quer saber se acredito em Deus e numa vida 'além disso tudo aqui'

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Henrique me escreve perguntando se acredito em Deus e numa vida "além disso tudo aqui".

Quando minha avó materna ficou doente e precisou ser internada, olhou para trás, triste, e se despediu da casa que demorou uma vida inteira para construir. Os filhos homens riram dela "que drama, você não vai morrer", o marido deu bronca, a vizinha balançou a cabeça. Eu nem vi a cena, só me contaram.

Dias depois da internação, ela foi informada que já estava bem, curada, e teria alta na manhã seguinte. Durante a madrugada, minha mãe sonhou que minha avó a levava a uma casa cheia de flores e dizia "eu agora moro aqui, não fique triste". Então minha mãe acordou, se vestiu, e me disse "sua avó morreu". Segundos depois, o telefone de casa tocou, ela tinha acabado de falecer.

Minha avó tinha um plano: morrer antes do meu avô. Se conheceram aos 13 anos, passaram mais de 50 anos juntos e ela me contava que rezava todas as noites pedindo a Deus: "Por favor, quero morrer antes dele". Meu avô tinha questões cardíacas e morreu 10 meses depois da minha avó.

Já escrevi várias vezes contando que fui uma criança mediúnica. Via um menino de camiseta azul na varanda de casa, um homem em uma moto no corredor, um cachorro de guarda na casa de praia de um amigo e uma idosa que se sentava a beira da minha cama. Eu não gostava, não queria ver, e implorei muito em minhas rezas para que as visitas parassem.

Inteligência Artificial
Catarina Pignato

Nunca mais vi nada, mas uma centena de vezes passei mal e fui embora às pressas de uma infinidade de lugares —depois ficava sabendo de brigas, assaltos ou rodinha de cocaína (meu espírito tem uma espécie de ojeriza pesada a cocaína, meu corpo fareja de longe e jamais chega perto).

Tenho um amigo de faculdade que teve um surto psicótico há cerca de dez anos. Em uma das crises, fui tentar ajudá-lo e ele começou a me mostrar todos os lugares da sua casa que tinham gravadores escondidos. Eu fui tentar contê-lo, com um abraço, mas uma mão puxou minha camiseta para trás e eu caí sentada em seu sofá. Fui embora sentindo minha energia sugada para baixo da sola do meu pé e, felizmente, a psiquiatria fez por ele o que eu não consegui naquele dia.

Aos 28 anos eu vivia uma relação feliz, estava muito apaixonada, e queria ser mãe, mas precisei sair fora porque o sujeito não queria filhos. Tive várias relações na sequência, mas nada ia muito pra frente. Aos 34 anos, minha vontade de ser mãe já dava 50 voltas na lua. Então eu me ajoelhei para a imagem de Santa Rita que carrego desde a adolescência, e pedi que o próximo relacionamento, durasse cinco dias ou vinte anos, me desse um filho. Uma semana depois conheci meu ex-marido, com quem fiquei dez anos e tive minha filha (que se chama, obviamente, Rita).

Quando eu estava grávida de 40 semanas, comecei a sentir algumas contrações espaçadas e a médica disse que eu "saberia a hora de ir para o hospital". Em determinado momento as contrações já estavam vindo a cada três segundos, mas a doula que estava em casa comigo insistia que não era a hora, porque eu não tinha nenhuma dilatação.

Larguei a doula falando sozinha (chatérrima) e resolvi ir para o hospital, quando entrei no carro, estava tocando "A Minha Menina", dos Mutantes. Tá bom, pode rir da minha cara, mas era a Rita Lee e era a minha menina Rita chegando. Concordo que é breguíssimo acreditar em sinais e na magia da vida, mas te juro que eles seguem aparecendo para mim, apesar do meu cinismo não se conformar com isso.

Assim que comprei meu apartamento, mandei defumar todos os cômodos. Comprei de um casal que estava se separando, e quando a benzedeira entrou no meu quarto, o vidro do meu perfume novinho quebrou. A mulher falou: "Menos mal, às vezes é uma janela imensa e a pessoa fica bem brava porque sai mais caro que um perfume."

Há dois anos eu não parava de sonhar que mulheres benziam meu corpo com folhas gigantes e uma amiga me levou a um banho de descarrego. A mulher veio com as folhas e conforme ela foi chegando perto, meu corpo se dobrou inteiro (não parecia que obedecia a meu comando) e se lançou para cima das plantas. Perguntei apenas dentro da minha cabeça "onde eu estou errando que não encontro um amor?". E a entidade me respondeu: "Você precisa aprender a amar como uma mulher e não como uma criança". Faço terapia há 20 anos e nunca tinha escutado uma frase tão bonita e verdadeira.

Não sinto que escrevo sozinha, Henrique.


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