Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Bolha que isola estrangeiros nos Jogos de Inverno é símbolo de China mais fechada

Há um contraste olímpico entre o país e o regime de 2008 e os deste 2022

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Apesar de fazer um frio de rachar, neva muito pouco na cidade que, a partir desta sexta (4), sedia as Olimpíadas de Inverno. Garantir neve artificial para praticamente 100% dos Jogos é apenas um pequeno desafio na realização das competições em Pequim.

A China, que segue apostando na política de tolerância zero à Covid-19, tem como grande preocupação o bom funcionamento das bolhas que separam, do público local, os que vêm de fora.

Realizar os Jogos, com cerca de 11 mil estrangeiros, sem arruinar a política de combate à Covid é o tipo de desafio que move o governo chinês. Coloca à prova sua capacidade de planejamento e mobilização de esforços. O sucesso seria, digamos, um atestado de proeza —o que vale ouro, especialmente porque cresce o ceticismo internacional quanto à aposta chinesa na tolerância zero.

Voluntário chinês da organização das Olimpíadas com roupa de proteção na área de desembarque do aeroporto de Pequim - Andrew P. Scott - 3.fev.22/USA Today Sports

A pandemia, curiosamente, ajuda Pequim a lidar com o que, em outras circunstâncias, poderia ser um problema maior —o boicote às Olimpíadas. EUA, Canadá e alguns outros anunciaram que não mandariam autoridades para os Jogos de Pequim, apenas seus atletas. Outros países simplesmente não enviarão delegações políticas porque as regras da bolha complicam a logística mesmo para autoridades.

O efeito do chamado boicote político é próximo de zero. Além de a adesão ter sido baixa, haverá pouquíssimos estrangeiros de qualquer forma —o que diminui o efeito simbólico da ausência dos que o fazem por protesto.

A bolha para evitar o contato dos estrangeiros com os locais representa um contraste brutal entre a China que sediou as Olimpíadas de Verão de 2008 e a que, agora, recebe os Jogos de Inverno. Em 2008, os Jogos foram vistos como uma exibição da China para o mundo, um sinal de abertura e de disposição para o engajamento. Pequim, a única cidade a sediar as duas versões dos Jogos Olímpicos recebeu cerca de 380 mil visitantes estrangeiros em 2008. Hoje, eles são menos de 3% disso.

Em 2022, a bolha que marcará essas Olimpíadas é também simbólica de uma China que olha mais para dentro, é mais autocentrada, mais desconfiada do mundo e mais adepta à autossuficiência estratégica. A China não recebe turistas de outros países há dois anos, tem cada vez menos correspondentes e estudantes estrangeiros, tem multinacionais com menos executivos das matrizes. Xi Jinping não sai do país desde março de 2020.

No plano individual, muitos chineses, expostos às notícias sobre a Covid no mundo, veem o estrangeiro como um risco. No imaginário coletivo, as preocupações com a pandemia se misturam às desconfianças em relação ao Ocidente —e contribuem para o paradoxo de uma China que parece se isolar do mundo, ao mesmo tempo em que importações, exportações e investimentos estrangeiros continuam em alta.

Em 2008, os Jogos Olímpicos entraram para a história também com a belíssima abertura feita pelo cineasta Zhang Yimou no estádio batizado de Ninho do Pássaro. Em 2022, o mesmo Zhang fará no mesmo estádio uma nova abertura. Quase 14 anos depois, no entanto, o contraste é olímpico.

No jogo das diferenças, o que salta aos olhos é uma China cuja economia é mais de três vezes a de 2008. É um país que se sente mais confiante e que enfrenta, de maneira mais assertiva, um mundo mais resistente à sua ascensão. Na comparação, chama a atenção um partido com controle maior sobre a economia e a sociedade —para o que, aliás, a pandemia contribui.

Ao lado do Ninho do Pássaro foi construído no ano passado um museu monumental para celebrar as glórias do partido —como que para não deixar dúvida sobre quem faz chover, ou nevar, no país.

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