Não importa que a China não tenha se classificado para esta Copa. Nem que a única participação do país num Mundial tenha sido no longínquo ano de 2002. Na Copa de 2018, mais de 660 milhões de chineses assistiram às transmissões dos jogos. O interesse, suponho, não diminuiu desde então.
O encanto pelo futebol é proporcional à frustração com o desempenho da sua seleção masculina. A situação é tal que o governo manifestou a ambição de que a China sedie —e vença— uma Copa do Mundo até 2050. Chegou a naturalizar um jogador brasileiro para dar uma mãozinha para o time —o maranhense Elkeson se tornou Ai Kesen em 2019.
Mas se engana quem pensa que a China não está presente na Copa do Mundo do Qatar. Só não está em campo. Porque empresas chinesas estão envolvidas com gosto na competição (e parecem ter conseguido manter certa distância dos problemas associados às condições dos trabalhadores migrantes).
Uma usina de energia fotovoltaica de 800 megawatts de capacidade, a primeira do Qatar, foi projetada e construída pela chinesa Power Construction Corporation a tempo de atender às necessidades da Copa, sediada num país em que o petróleo abunda —e o sol também. Os chineses aproveitam a empreitada para lustrar suas credenciais de grandes fornecedores de tecnologias verdes.
O estádio Lusail, sede da final do campeonato, foi construído pela China Railway Construction Corporation. A imagem da arena hoje estampa as notas de 10 riais, a moeda local. Gol da China.
Mais de 1.500 ônibus, dos quais 900 elétricos, foram fornecidos pela empresa Yuton, líder do setor no gigante asiático, para facilitar a mobilidade durante os jogos. Empresas chinesas também construíram cerca de 10 mil casas-contêiner no Qatar, viabilizando hospedagem para os torcedores.
Tudo isso, claro, sem falar que firmas chinesas dominam cerca de 70% do mercado de suvenires associados à Copa, como bandeiras e bolas, apitos e cornetas. A Copa é sinal de bonança, não importa o resultado, para a Dongguan Wagon Giftware, que produz itens oficiais. É também para muitas empresas de menor porte na cidade de Yiwu, em Zhejiang, conhecida como capital dos bens de consumo baratos.
O governo chinês ajuda a preparar o terreno para que os negócios floresçam. Há alguns dias, Xi Jinping participou de reunião de cúpula com países árabes e outra com nações do Golfo. Com apetite para comprar petróleo e gás, mas também para fortalecer o relacionamento em outras frentes, Pequim busca ocupar espaço numa região de tradicional influência americana e que hoje quer diversificar parceiros.
Pouco antes do início dos jogos, a China mandou dois pandas para o Qatar, para "marcar a amizade entre os povos". Segue firme e forte a tradicional diplomacia dos pandas, que ganhou visibilidade quando Mao presenteou os EUA com dois enormes animais, em reconhecimento à histórica visita de Richard Nixon à China, em 1972. Fizeram grande sucesso no Zoológico Nacional, em Washington. Anos depois, Deng Xiaoping, percebendo a oportunidade, passaria a alugar os animais a outros países em vez de doá-los.
Desta vez, os pandas Suhail e Soraya foram presentes de Pequim para Doha —com um cartãozinho de agradecimento, talvez.
A China é o único país que, sem entrar em campo, se deu bem na Copa do Mundo. Sua equipe não é composta de 11 jogadores, mas sobretudo de centenas de empresas que, embaladas pelo governo, aproveitam oportunidades de comércio e investimentos ligadas à competição. Enquanto não consegue transformar seus sonhos futebolísticos em realidade, o país fatura como pode —o que não é pouco.
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