"Eu estava errado a respeito do tema X." Em julho deste ano, o New York Times publicou oito artigos com um mesmo foco: colunistas escreveram a respeito de opiniões que vieram a se revelar equivocadas, segundo eles mesmos.
Num exercício difícil de autocrítica, o título do texto de Paul Krugman era: "Eu estava errado sobre a inflação". De David Brooks, sobre o capitalismo. Pensei no que eu escreveria se a Folha me propusesse a mesma tarefa.
Acompanhando, agora longe de Pequim, a política de Covid zero, aproveito este meu 150º texto aqui para oferecer a resposta. Eu estava errada sobre a política de Covid zero na China. Escrevi que os chineses se orgulhavam dos resultados da política —o que certamente foi correto por um bom tempo.
Escrevi que o resto do mundo subestimava o impacto da política para a confiança dos chineses no seu modelo político —e isso, hoje, eu não escreveria assim, mesmo tendo feito, naquele momento, a ressalva de que história ainda estava sendo escrita.
Devo dizer, entretanto, que o julgamento externo sobre o combate à pandemia no país normalmente embute um viés anti-China —foca a fotografia do momento, não o filme dos últimos três anos. Não me parece correto decretar o fracasso absoluto da política, pois ela certamente funcionou durante um bom período.
Em 2020 e 2021, boa parte dos quais passei em Pequim, a sensação era de estar num lugar seguro. Muito mais controlado, mas seguro. Lockdowns, ainda que duros, eram muito localizados. A economia rapidamente se recuperou enquanto praticamente todos os países patinaram.
As mortes por Covid foram mínimas em comparação com o resto do mundo —e, mesmo num ambiente de informação controlada, caos em hospitais e crematórios não escapariam às mídias sociais. As autoridades não estavam dispostas a encarar um número assombroso de mortes —possivelmente de milhões de pessoas. E agiram para isso (de maneira impensável em outras partes).
O erro, mais do que na política definida a quente no início de 2020, parece estar na enorme resistência em adaptá-la às novas circunstâncias. A questão está na necessidade de construir uma porta de saída para a Covid zero (o que, em meu favor, escrevi há tempo). Curiosamente, a pandemia, que coincidiu com os cem anos do PCCh, fez as autoridades capricharem nas referências à capacidade de o partido se adaptar aos tempos. Em tom triunfalista, o combate à pandemia foi apresentado como prova de vitalidade do partido.
Atualmente, em contraste com o resto do mundo, a ideia de se conviver com o vírus é sinal de derrota para aqueles que, por praticamente três anos, defendiam ser possível controlá-lo na marra. Os chineses assistiram aos primeiros jogos da Copa do Mundo pela televisão intrigados com o público nas arquibancadas sem máscara. E assistem às partidas isolados em casa —quase um quarto da população estaria sob lockdown.
A resistência em mudar a lógica do combate à pandemia faz os ganhos passados, significativos, parecerem cada vez mais distantes e os custos do presente, altos demais. No balanço final dessa história que, de fato, ainda está sendo escrita, é bem possível que a política de Covid zero não venha a contribuir para a confiança dos chineses no regime, diferentemente do que ocorreu no início —e ao contrário do que eu imaginava.
Meu engano foi pensar que o país, que no começo fora tão eficaz em combater a pandemia, pudesse demorar tanto para ajustar os planos. O prazo de validade da política vai expirando à medida que a paciência da população, essa sim, vai se aproximando de zero.
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