Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu China Coronavírus

Erros sobre Covid zero na China

Resistência à mudança faz distantes os ganhos passados e altos demais os custos do presente

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"Eu estava errado a respeito do tema X." Em julho deste ano, o New York Times publicou oito artigos com um mesmo foco: colunistas escreveram a respeito de opiniões que vieram a se revelar equivocadas, segundo eles mesmos.

Num exercício difícil de autocrítica, o título do texto de Paul Krugman era: "Eu estava errado sobre a inflação". De David Brooks, sobre o capitalismo. Pensei no que eu escreveria se a Folha me propusesse a mesma tarefa.

Acompanhando, agora longe de Pequim, a política de Covid zero, aproveito este meu 150º texto aqui para oferecer a resposta. Eu estava errada sobre a política de Covid zero na China. Escrevi que os chineses se orgulhavam dos resultados da política —o que certamente foi correto por um bom tempo.

Profissional da saúde carrega testes de detecção de Covid-19 em rua de Pequim
Profissional da saúde carrega testes de detecção de Covid-19 em rua de Pequim - Jade Gao/AFP

Escrevi que o resto do mundo subestimava o impacto da política para a confiança dos chineses no seu modelo político —e isso, hoje, eu não escreveria assim, mesmo tendo feito, naquele momento, a ressalva de que história ainda estava sendo escrita.

Devo dizer, entretanto, que o julgamento externo sobre o combate à pandemia no país normalmente embute um viés anti-China —foca a fotografia do momento, não o filme dos últimos três anos. Não me parece correto decretar o fracasso absoluto da política, pois ela certamente funcionou durante um bom período.

Em 2020 e 2021, boa parte dos quais passei em Pequim, a sensação era de estar num lugar seguro. Muito mais controlado, mas seguro. Lockdowns, ainda que duros, eram muito localizados. A economia rapidamente se recuperou enquanto praticamente todos os países patinaram.

As mortes por Covid foram mínimas em comparação com o resto do mundo —e, mesmo num ambiente de informação controlada, caos em hospitais e crematórios não escapariam às mídias sociais. As autoridades não estavam dispostas a encarar um número assombroso de mortes —possivelmente de milhões de pessoas. E agiram para isso (de maneira impensável em outras partes).

O erro, mais do que na política definida a quente no início de 2020, parece estar na enorme resistência em adaptá-la às novas circunstâncias. A questão está na necessidade de construir uma porta de saída para a Covid zero (o que, em meu favor, escrevi há tempo). Curiosamente, a pandemia, que coincidiu com os cem anos do PCCh, fez as autoridades capricharem nas referências à capacidade de o partido se adaptar aos tempos. Em tom triunfalista, o combate à pandemia foi apresentado como prova de vitalidade do partido.

Atualmente, em contraste com o resto do mundo, a ideia de se conviver com o vírus é sinal de derrota para aqueles que, por praticamente três anos, defendiam ser possível controlá-lo na marra. Os chineses assistiram aos primeiros jogos da Copa do Mundo pela televisão intrigados com o público nas arquibancadas sem máscara. E assistem às partidas isolados em casa —quase um quarto da população estaria sob lockdown.

A resistência em mudar a lógica do combate à pandemia faz os ganhos passados, significativos, parecerem cada vez mais distantes e os custos do presente, altos demais. No balanço final dessa história que, de fato, ainda está sendo escrita, é bem possível que a política de Covid zero não venha a contribuir para a confiança dos chineses no regime, diferentemente do que ocorreu no início —e ao contrário do que eu imaginava.

Meu engano foi pensar que o país, que no começo fora tão eficaz em combater a pandemia, pudesse demorar tanto para ajustar os planos. O prazo de validade da política vai expirando à medida que a paciência da população, essa sim, vai se aproximando de zero.

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