Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus Rússia

Hipocrisia cluster

Se o Brasil quiser falar a linguagem da paz, precisa tirar da garganta o cacho de bombas que esconde

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Guerras são brutais, sempre foram, mas ao menos desde o século 19 há regras para regular a barbárie, o chamado direito humanitário ou jus in bello. Matar o inimigo, desde que este seja um alvo militar, não é ilegal; destroçar civis sim. Imagine, por exemplo, uma chuva de bombas no ar que se subdividem em outras menores por uma área tão vasta quanto quatro campos de futebol, podendo explodir apenas após o conflito (ou nunca), ameaçando milhares de civis.

É assim que funcionam as chamadas bombas cluster. Biden resolveu na última sexta (7) fornecê-las aos ucranianos na sangrenta e ilegal guerra russa. Biden considera usar artilharia com suposta taxa de falha na explosão de 2,35%, apesar de especialistas e o próprio Pentágono em declarações anteriores terem estimado a taxa em 14% ou mais. Nos anos 60-70, a potência jogou milhões delas no Laos. Desde o fim do conflito, menos de 1% foram desativadas, 20 mil civis, metade deles crianças, mortos.

Bomba cluster não detonada encontrada na província de Xiengkhuang, em Laos, em 2009 - Kaikeo Saiyasane/Xinhua

Poderia ser apenas mais um caso de hipocrisia dos EUA que se colocam como moralmente superiores, mas que se esquivam, tanto quanto os russos, de qualquer responsabilidade pelo modo como fazem guerra. Poderia, mas não é. O Brasil também está metido neste imbróglio. Apesar de defender a paz e evitar fornecer armas para a Ucrânia, o país recusa a se juntar aos mais de 100 países que ratificaram o tratado de 2008 que as proíbe. Comissão do Congresso rejeitou, em 2022, PL neste sentido.

Por que tanta avidez na defesa de chuva de bombas? Brasil as produz. São falhos, no entanto, os argumentos. Primeiro, interesses econômicos. Sim, a Defesa superou, em 2021, US$ 1,5 bilhão em exportações, mas a Avibras, empresa que fabrica as cluster no Brasil, opera em prejuízo e a base de crédito público. Segundo, guerra é guerra. Sim, mas bombas cluster produzidas no Brasil já foram utilizadas até pela Arábia Saudita contra áreas residenciais no Iêmen em 2017. Se o Brasil quiser falar a linguagem da paz, precisa primeiro tirar da garganta o cacho de bombas que esconde.

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