Descrição de chapéu Rússia Europa África

Além de crise na Ucrânia, mundo tem 28 conflitos ativos e teme novas guerras

Levantamento em 26 países aponta que 46% das pessoas, em média, receiam combates

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Enquanto uma potencial guerra na Ucrânia dá sinais de arrefecimento com o aparente recuo de tropas russas, ao menos outros 28 países passam por conflitos ou registram combates armados entre forças governamentais e grupos rebeldes neste início de 2022.

Nesse cenário, uma pesquisa de opinião realizada em 26 países aponta que quase metade da população diz ter medo de que seu país se envolva em uma guerra.

Militantes separatistas na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, em dezembro do ano passado
Militantes separatistas na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, em dezembro do ano passado - Alexander Ermochenko - 14.dez.21/Reuters

Quem lidera a lista de registros de eventos de conflito é a própria Ucrânia, de acordo com o levantamento realizado entre 1º de janeiro e 11 de fevereiro pelo Projeto de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados (Acled, na sigla em inglês). Foram considerados conflitos armados entre forças do governo, entre governo e rebeldes e entre rebeldes, conforme metodologia do instituto.

Foram 187 registros em território ucraniano, cercado por tropas russas mobilizadas para suas fronteiras ainda no fim de 2021. Diante da ameaça, o ano de 2022 começou com iniciativas diplomáticas visando a uma desescalada nas tensões entre Ocidente e Rússia.

Os Estados Unidos e diversos países europeus acusam Moscou de querer invadir a Ucrânia —Washington vem dando repetidos alertas de que uma ação militar contundente dos russos poderia acontecer a qualquer momento. O Kremlin nega a acusação e insiste em dizer que não quer guerra, mas ressalta sua oposição a uma eventual adesão de Kiev à Otan, aliança militar ocidental.

O conflito na Ucrânia, de toda forma, não vem de agora. Em 2014, uma guerra civil de separatistas pró-Kremlin eclodiu na região do Donbass, no leste do país, e já tem um total de mortos na casa de 14 mil.

A tensão no país colabora para a impressão de que o mundo se tornou um lugar mais perigoso. Pelo menos essa é a percepção de, em média, 82% das pessoas entrevistadas pelo instituto Ipsos em 28 países entre setembro e outubro de 2021 —portanto, antes da atual crise na Ucrânia.

A pesquisa também avaliou o medo dos entrevistados acerca da possibilidade de que seus respectivos países se envolvam em conflitos bélicos. Os mais temerosos estão na Turquia, onde 76% expressaram receios sobre uma possível guerra. Os EUA aparecem na segunda posição, com 74%, e a Rússia, protagonista da crise mais recente, é a quinta da lista, com 64%. Na média dos 26 países —a pergunta não foi feita na China e na Arábia Saudita—, o índice é de 46%.

Leticia Rizzotti, doutoranda em paz, defesa e segurança no programa de relações internacionais San Tiago Dantas, vê uma mudança conceitual de combates entre países. "Desde o fim dos anos 1980 e início dos 1990 temos uma nova forma de conflito, muito letal e violento especialmente para civis."

Nesse cenário, diz a pesquisadora, o alvo são grupos internos, que visam em sua maioria as populações vulneráveis, com o Estado tendo uma atuação de repressão.

É o caso nos cinco países que registram a maior violência entre 29 da lista. Iêmen, Nigéria, Síria, Mianmar e Somália respondem por 44,6% dos eventos e 55% das mortes. "Todos são conflitos que vêm da onda mais forte dos anos 1990, especialmente de grupos armados, e têm uma característica muito forte, que é essa oposição [ao governo] e o controle do território, que o Estado não consegue fazer", explica Rizzotti.

A especialista destaca que esses locais têm conflitos e grandes picos de violência há pelo menos 40 anos, com Iêmen e Síria ganhando grau maior de periculosidade após a Primavera Árabe. É o Iêmen justamente que encabeça a lista do Acled, com 95 conflitos neste ano (metade dos registros da Ucrânia), que somam ao menos 408 vítimas.

Para a ONU, a guerra esquecida no país é a mais grave crise humanitária do mundo. Em sete anos, já são mais de 10 mil crianças mortas ou mutiladas, segundo o Unicef; 11 milhões de crianças —quatro a cada cinco no país— precisam de ajuda humanitária, 2 milhões estão fora da escola e 400 mil sofrem de má nutrição severa.

Ainda no Oriente Médio, a guerra na Síria, que começou em 2011 para derrubar o ditador Bashar al-Assad, dura até hoje —assim como a permanência de seu líder no poder.

Também lá a Rússia tem seu papel, apoiando a ditadura e, mais uma vez, do lado oposto ao dos EUA. Moscou dá suporte com ataques aéreos, o núcleo de sua presença militar na Síria, mas também têm tropas espalhadas pelo norte do país. Washington diminuiu seu contingente, mas ainda mantêm unidades.

No caso dos países africanos, há disputas contra grupos fundamentalistas islâmicos. Na Nigéria, o Boko Haram é uma das principais forças, apesar de haver dissidentes que também são atores da violência. A Somália enfrenta uma guerra civil que já dura 30 anos, mas o conflito também gira em torno do Al-Shabaab e do Ahlu Sunnah Wal Jama, grupo que tem escalado as tensões com forças do governo.

O mais recente conflito é o de Mianmar, alvo de um golpe de Estado em 1º de fevereiro de 2021. Já havia registros no ano passado, mas eram poucos: 29 eventos com 15 mortes. Os números saltaram para 117 e 252, respectivamente, neste ano.

As forças da junta militar que agora controla o país têm sufocado protestos contra o golpe, ao mesmo tempo que prometem devolver o comando aos civis em uma eleição "livre e justa" em agosto de 2023. A ex-líder civil Aung San Suu Kyi, 76, está sendo julgada por mais de uma dúzia de crimes, que podem somar até 150 anos de prisão —acusações que críticos dizem ter como objetivo garantir que ela nunca mais retome a atividade política.

Para Rizzotti, uma das principais dificuldades da resposta a esses conflitos é a maneira como eles se fragmentam. "Não há um front de batalha, não há uma linha óbvia onde exércitos vão se encontrar. A guerra ocorre com grupos espalhados e táticas variadas", diz, destacando ainda a prática de atos de terrorismo. "Exércitos regulares deveriam cumprir algum tipo de protocolo, como a Convenção de Genebra. Esses conflitos registram violações de direitos humanos."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.