Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Joe Biden pode ser o último presidente democrata pró-Israel

Líder americano se vê numa corda bamba na relação com seu principal parceiro no Oriente Médio, mas se sai bem

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The New York Times

O presidente dos EUA, Joe Biden, teve uma semana intensa lidando com a batalha interna de Israel em torno do futuro de seu Judiciário. Ele falou por telefone com o premiê Binyamin Netanyahu na segunda-feira (17) e pessoalmente com o presidente Isaac Herzog, que visitou a Casa Branca na terça (18).

Para garantir que sua posição fique cristalina, ele me chamou ao Salão Oval na tarde de terça-feira e me deu uma declaração —inusitada— expressando seu respeito pelo modo como os protestos "duradouros" em Israel estão demonstrando "o dinamismo da democracia israelense" e também seu desejo de que a coalizão de Netanyahu pare de precipitar-se para fazer aprovar uma reforma constitucional às pressas, sem nem sequer uma aparência de consenso nacional.

O presidente de Israel, Isaac Herzog, discursa no Congresso dos EUA, em Washington
O presidente de Israel, Isaac Herzog, discursa no Congresso dos EUA, em Washington - Brendan Smialowski - 19.jul.23/AFP

Reforma essa que, se for adotada, vai diminuir a capacidade da Suprema Corte de Israel de rever as decisões e nomeações do governo. Netanyahu vem tentando confundir os amigos de Israel nos EUA, minimizando a importância da transformação fundamental que seu governo está tentando impor. Para isso, ele a descreve como uma reforma judicial e a caracteriza como pequena.

Mas a disposição que seu governo vem mostrando de pagar um preço altíssimo pelo ataque que ele iniciou contra o Judiciário –reservistas da Força Aérea israelense se recusando a apresentar-se para o trabalho para defender o que dizem ser uma ditadura, investidores high-tech retirando fundos, imigração de judeus a Israel fortemente reduzida, grandes e agitados protestos de massa— deixa claro que o que está em jogo de fato é todo o equilíbrio de poder judicial-político na democracia de Israel, país que não tem uma Constituição.

Biden está preocupado com a estabilidade e o futuro de Israel, o mais importante aliado dos EUA no Oriente Médio e país pelo qual ele deixa muito claro seu apreço. Sua mensagem ao premiê e ao presidente de Israel não poderia ter sido mais clara: parem agora. Não aprovem nada tão importante assim sem um consenso amplo, caso contrário vocês vão romper algo na democracia israelense e em seu relacionamento com a democracia dos EUA. E talvez nunca consigam recuperá-lo.

"Esta é, evidentemente, uma área sobre a qual os israelenses têm visões muito fortes, incluindo em um movimento de protesto duradouro que vem demonstrando o dinamismo da democracia de Israel, que precisa continuar à base de nosso relacionamento bilateral", disse-me Biden.

"Para encontrar um consenso em torno de áreas de controvérsias é preciso tomar o tempo que for preciso. No caso de mudanças importantes, isso é imprescindível. Assim, a recomendação que faço aos líderes de Israel é que não se apressem. Creio que o melhor resultado é continuar a buscar o consenso mais amplo possível."

O movimento de protesto israelense vem levando dezenas de milhares às ruas todas as semanas, há 28 semanas consecutivas. É o equivalente a termos de 3 milhões a 4 milhões de americanos fazendo um protesto no National Mall, em Washington, todos os fins de semana.

Mas o movimento também é composto de centenas de iniciativas de base em todos os setores da sociedade, o que o torna um verdadeiro movimento democrático. O reconhecimento incomum dado por Biden a essa campanha significa que o governo americano compreende que o que está acontecendo em Israel transcende de longe um debate político entre o governo e a oposição. É uma batalha pela alma da nação.

Nessa batalha, Netanyahu parece estar avançando com seu esforço para libertar a si mesmo e a seu governo dos controles da Suprema Corte, antes de o Knesset iniciar seu recesso no final de julho. Estão em jogo decisões da Suprema Corte como a derrubada da tentativa de Netanyahu de nomear Aryeh Deri, um aliado seu de direita e três vezes condenado criminalmente, como ministro.

É por essa razão que os protestos estão novamente se intensificando. O tema principal do jornal Haaretz na noite de terça-feira demonstrava quão perigoso isso está ficando: "Há sete meses, israelenses vêm protestando contra o esforço do governo Netanyahu de reformar o Judiciário e proteger seus guardiões. Esta semana os manifestantes estão intensificando a resistência, com mais reservistas do Exército ameaçando se abster do serviço, profissionais de saúde anunciando uma ‘greve de advertência’ de duas horas e dezenas de milhares de pessoas saindo às ruas, obstruindo o tráfego em todo o país".

Biden está percorrendo uma corda bamba. Está tentando demonstrar respeito pelo direito de Israel de escolher seu próprio caminho, sem seu aliado americano interferir em uma questão interna, e ao mesmo tempo deixar clara sua preocupação de que esse pode ser um momento fatídico na história de Israel. Fatídico para sua coesão interna e também para suas relações futuras com os EUA. Como amigo de Israel, Biden sentiu que não pode guardar silêncio.

Que ninguém se iluda: muitos israelenses apoiam o esforço de Netanyahu, mas as pesquisas de opinião, além das dimensões dos protestos, indicam que uma maioria clara se opõe. Toda a coalizão de Netanyahu vem perdendo apoio público nas pesquisas mais recentes.

Mas é esse o xis da questão: a magnitude e tenacidade do movimento transmitem um sinal claro de que a reforma pretendida pelo governo provavelmente nunca terá legitimidade interna e, por essa razão, legitimidade externa, tampouco. Esse trem já deixou a estação.

Se Netanyahu simplesmente a impuser à força, isso vai comprometer a estatura doméstica e internacional da Suprema Corte de Israel e, por extensão, da democracia de Israel. Estamos falando das bases dos valores compartilhados que fundamentam a aliança EUA-Israel.

De fato, todo líder israelense deveria refletir sobre essa frase de Biden: o movimento de protesto demonstra "o dinamismo da democracia israelense, que deve permanecer à base de nosso relacionamento".

Posso afirmar que, quando me disse isso, ele estava falando com a razão e com o coração. Ele está suplicando a Netanyahu e a seus apoiadores que entendam: se não estiver claro que compartilhamos esse valor democrático, será difícil manter o relacionamento especial que Israel e os EUA desfrutaram nos últimos 75 anos por outros 75.

Nossa conversa de uma hora e 15 minutos sobre esse tema deixou claro para mim que Biden é um democrata à moda antiga no tocante a Israel, país cujas realizações na ciência, tecnologia e artes ele valoriza, além de sua democracia duradoura, apesar de ela ter sido corroída pela ocupação duradoura dos territórios palestinos.

Isso é, a meu ver, uma postura muito diferente da de cínicos como Ted Cruz, Ron DeSantis e do presidente da Câmara, Kevin McCarthy, que não se incomodam nem um átimo em caracterizar os esforços de Biden para impedir Israel de cair no abismo como sendo anti-Israel ou, o que ainda mais absurdo, antissemitas.

Mensagem aos israelenses de direita, esquerda e centro: Biden pode ser o último presidente democrata pró-Israel. Se vocês ignoram suas preocupações sinceras, o fazem por sua própria conta e risco.

Tradução de Clara Allain 

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