Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Trump tenta destruir sistema nos EUA com sua sede ilimitada pelo poder

Candidatos a ditadores disparam sucessivas mentiras para que povo confie apenas neles

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The New York Times

O que teria acontecido se Mitch McConnell, o líder da minoria no Senado nos Estados Unidos, ao final de seu discurso arrasador no plenário no qual culpou Donald Trump pela insurreição no Capitólio em 6 de janeiro, tivesse prometido lutar até o fim para garantir que o bilionário fosse condenado por acusações de impeachment e jamais pudesse voltar a ser presidente?

E se Melania Trump, depois de a atriz pornô Stormy Daniels dizer que fez sexo com Trump sem camisinha menos de quatro meses depois de Melania dar à luz ao filho do casal, tivesse jogado todas as roupas de Trump, seus tacos de golfe, seus bonés do Maga ("Make America Great Again", faça os EUA grandes novamente) e seu spray de cabelo no gramado da Casa Branca com um bilhetinho com a frase: "Não volte nunca mais, seu verme desprezível!"?

O ex-presidente Donald Trump faz discurso no Trump National Golf Club Bedminster, em Nova Jersey - Ed Jones - 13.jun.23/AFP

E se o influente líder evangélico Robert Jeffress tivesse declarado que ia liderar uma campanha para garantir que qualquer outra pessoa que não Trump fosse eleita em 2024, porque Trump era um pervertido moral que Jeffress jamais deixaria cuidar de suas duas filhas, então, o que dirá dos Estados Unidos?

Tudo isso depois de Trump ter sido flagrado numa gravação de áudio explicando que, como astro de televisão, ele se sentia no direito de agarrar as mulheres em suas partes mais íntimas –ou depois de um júri em Manhattan tê-lo considerado culpado de ter feito mais ou menos isso com E. Jean Carroll.

Como ficariam o presidente da Câmara dos Deputados, Kevin McCarthy, seus idiotas no caucus republicano da Câmara e outros republicanos que agora estão defendendo Trump contra o indiciamento do Departamento de Justiça se declarações e ações como essas tivessem sido feitas? Eles estariam tão ansiosos assim para proclamar a inocência de Trump? Estariam esbravejando contra o comparecimento do ex-presidente ao tribunal em Miami? Estariam dizendo falsamente que o presidente Joe Biden estava indiciando Trump, quando sabem bem que o presidente não tem o poder de indiciar ninguém?

Duvido muito. Mas sei que todas essas perguntas são retóricas. Nenhuma dessas pessoas tem caráter para encarar esses desafios éticos e enfrentar Trump e o que ele já fez para demolir nosso sistema político. Trump é como um traficante de drogas que prospera em um bairro destruído, fazendo todo o mundo se viciar em seus valores deturpados. É por isso que ele está fazendo tudo que pode para destruir nosso bairro nacional de duas maneiras fundamentais.

Para começar, ele tem procurado aviltar pessoas que demonstram caráter e coragem, rotulando-as de perdedores e fracotes. Isso é fácil para Trump, porque é um homem totalmente sem caráter –destituído de qualquer senso de ética ou lealdade a qualquer sistema de valor ou pessoa que não seja ele próprio. E a política, para ele, é um esporte de sangue em que você espanca os outros homens e mulheres –sejam eles de seu partido ou não— com calúnias, apelidos e mentiras, até que eles saiam de seu caminho.

Trump lançou essa estratégia desde o começo com o veterano de guerra John McCain –um homem que não se rendeu durante mais de cinco anos passados como prisioneiro de guerra no Vietnã do Norte, um homem de caráter real. Você se lembra do que Trump disse a respeito de McCain em uma cúpula de liderança familiar na cidade de Ames, no estado de Iowa, em 18 de julho de 2015?

Trump disse que, quando McCain se candidatou a presidente, "eu o apoiei". "Ele perdeu. Ele nos deixou na mão. Mas ele perdeu. Então nunca gostei muito dele depois disso, porque não gosto de perdedores." Quando a plateia riu, o moderador Frank Luntz interveio: "Mas ele é um herói de guerra!".

Trump respondeu: "Ele não é herói de guerra. É herói de guerra porque foi capturado. Gosto de pessoas que não foram capturadas." Mais tarde no mesmo dia retuitou um post intitulado "Donald Trump: John McCain é ‘um perdedor’". Isso porque ele conseguiu uma desculpa médica dúbia para evitar ser alistado para servir o Exército na Guerra do Vietnã.

Assim, parte do modo pelo qual Trump tenta demolir nosso sistema é redefinindo as qualidades de um líder –pelo menos no Partido Republicano. Um líder não é alguém como Liz Cheney ou Mitt Romney, pessoas preparadas para arriscar sua carreira para defender a verdade, servir ao país e resguardar a Constituição. Não, um líder é alguém como ele, alguém que está disposto a vencer a qualquer custo –para o país, a Constituição ou para o exemplo que damos a nossos filhos e nossos aliados.

E quando é essa sua definição de liderança, pessoas de caráter, como McCain, Cheney e Romney, são obstáculos em seu caminho. Você precisa destituir todos à sua volta de caráter e fazer com que tudo gire em torno de obter poder e dinheiro. É por isso que tantas pessoas que entraram para a órbita de Trump desde 2015 saíram de lá sujas. E é por isso que eu sabia que as perguntas que fiz antes são retóricas.

A segunda maneira pela qual Trump está tentando destruir nosso sistema esteve à mostra na terça-feira, em Miami, onde logo depois de aparecer em um tribunal como réu criminal federal ele foi a um restaurante cubano para saudar seguidores. Ali, mais uma vez tentou desacreditar as regras do jogo que podem restringir ele e sua sede ilimitada de poder pelo poder.

O ex-presidente Donald Trump desembarca no Aeroporto Internacional de Miami para comparecer ao tribunal - Chandan Khanna - 12.jun.23/AFP

Como ele faz isso? Primeiro, faz com que todos à sua volta –e, com o tempo, a imensa maioria das pessoas em seu partido— parem de insistir que ele deve se pautar por normas éticas. Seus familiares e correligionários já ficaram craques em fugir dos microfones depois de cada afronta cometida por ele.

Mas precisamente pelo fato de que seus aliados políticos-chave, líderes da igreja e familiares próximos, não vão cobrar a responsabilidade de Trump por suas transgressões morais e legais –algo que tornaria sua candidatura para a reeleição em 2024 impensável e apressaria sua saída do cenário político—, temos que depender unicamente da Justiça para defender as regras do jogo.

Considere uma cena no indiciamento de Trump. Foi depois de um grande júri federal o ter intimado em maio de 2022 a entregar todos os materiais sigilosos que ele tinha em sua posse. Segundo anotações escritas pelo próprio advogado dele, M. Evan Corcoran, Trump disse: "Não quero ninguém vasculhando minhas caixas, realmente não quero. O que vai acontecer se a gente simplesmente não responder ou não cooperar com eles? Não seria melhor se simplesmente disséssemos a eles que não temos nada aqui?".

"Não seria melhor se simplesmente disséssemos a eles que não temos nada aqui?"

Melhor para quem? Só para uma pessoa. E é por isso que repito: Trump não nos colocou nesta situação por acidente. Ele quer de fato destruir nosso sistema, porque ele e pessoas de sua laia só prosperam em um sistema falido. Então ele fica empurrando nosso sistema até o ponto de ruptura –até o ponto em que regras são para otários, normas são para idiotas, verdades fundamentais são maleáveis e homens e mulheres de caráter irretocável são banidos. É isso o que fazem os candidatos a ditadores: inundam a zona de mentiras para que o povo confie apenas neles e a verdade seja apenas o que eles dizem que é.

É impossível exagerar como este momento é perigoso para nosso país.

Tradução de Clara Allain

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