Na segunda-feira participei da 31ª Semana Teixeira e Sousa, na cidade de Cabo Frio, região litorânea do Estado do Rio de Janeiro. É um lugar belíssimo, que margeia os municípios de Araruama, Arraial do Cabo, Armação de Búzios, São Pedro da Aldeia, Casimiro de Abreu e Silva Jardim. Esses dois últimos nomes fazem parte da memória local: são o poeta romântico, autor de "Primaveras", e o abolicionista e republicano, morto logo após a proclamação da República, tragado acidentalmente pelo vulcão Vesúvio, na Itália, em 1891.
Sem exagero, a semana trata de um dos maiores eventos de que se tem notícia na área cultural e de promoção da cultura, por mais de três décadas, trazendo debates, lançamentos de livros, painéis, exposições, deslocando os circuitos dessas atividades do famoso e rico eixo Rio-São Paulo, o que, por si só, já lhe empresta significativa importância.
Não é a primeira vez que participo desse evento como palestrante. Já estive presente em diversas outras edições, e sempre saio de cada uma delas impressionado com o nível das mesas de discussões, as obras publicadas e o cabedal informático e acadêmico dos participantes.
Em quase todas as edições, o evento foi patrocinado e incentivado por iniciativa do poder público, a cargo da prefeitura de Cabo Frio, sob a ação da Secretaria Municipal de Cultura, comandada pelo ativismo de Clarêncio Rodrigues, através da Coordenadoria Geral de Promoção da Igualdade Racial, a cargo de Manoel Justino da Silva Filho, militante do movimento negro.
O que é por demais relevante em toda a realização da Semana, sem desmerecer a iniciativa e promoção da equipe que a realiza e o poder público que patrocina, é o nome do patrono –Teixeira e Sousa. Afinal, quem é esse que abrilhanta e encima por tantos anos uma atividade tão destacada na área da cultura e do incentivo à leitura?
Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa é natural de Cabo Frio, onde nasceu no dia 28 de março de 1812, filho legitimo de Manuel Gonçalves, de cidadania portuguesa, e de Ana Teixeira de Jesus, uma mulher negra, não se sabe se escravizada ou forra. Antes dos 20 anos de idade, já tinha perdido o pai e a mãe, e os quatro irmãos.
Ainda estudante em Cabo Frio, Teixeira e Sousa foi obrigado a deixar os estudos com Inácio Cardoso da Silva, que era médico e também poeta. Mais tarde, o aplicado aluno, então homem feito, reúne e publica os versos do mestre. Menino, exerce a profissão de carpinteiro, ainda na terra natal. Com o objetivo de aperfeiçoar-se, transfere-se para a capital do império, a corte, atual cidade do Rio de Janeiro.
O jovem Antônio Gonçalves vive período de transformação e turbulência em sua vida. É nessa fase que se manifesta a tuberculose, que o obriga a retornar ao torrão natal, sendo que em seguida fica órfão e sem qualquer vínculo de parentesco que lhe prenda à terra de nascença.
Por volta de 1840, aos 28 anos, deixa definitivamente Cabo Frio para nunca mais voltar. Mas já é um homem jovem e inteligente. Data dessa época sua primeira publicação em livro, o drama "Cornélia", seguido dos versos "Cânticos Líricos", que reúnem poemas datados entre 1841 e 1842.
A cidade do Rio de Janeiro vive sob fortes turbulências políticas, desde a proclamação da Independência, em 1822, e a abdicação do trono por Dom Pedro 1º, em favor do filho, em 1831.
Teixeira e Sousa, no entanto, vai encontrar, na capital do país, o clima propício para suas expansões artísticas e intelectuais. A corte da década de 1840 é um mercado público de oportunidades e conquistas. Logo, como poeta e dramaturgo, o cabo-friense se insere na vida da cidade, onde percorre suas ruas e frequenta as melhores lojas e livrarias. Conhece nesse período Francisco de Paula Brito, negro de família humilde, que tem estabelecimentos tipográficos e, hoje, é considerado um dos mais importantes do período.
Já naquela época, Paula Brito, que também foi poeta, contista e tradutor, era um homem elegante, se vestindo à francesa, e muito avançado para a época. Das suas prensas, publicou periódicos como A Mulher do Simplício e o revolucionário O Homem de Cor, que já tocava em questões raciais. Brito foi o responsável pela estreia de Machado de Assis, que chegou a ser seu empregado; e publicou e divulgou autores como Gonçalves Dias, Laurindo Rabelo, Casemiro de Abreu, Joaquim Manuel de Macedo e Manuel Antônio de Almeida –os dois primeiros também com sangue negro correndo nas veias.
Foi nesse clima que surge Teixeira e Sousa com o romance "O Filho do Pescador", publicado em 1843 pela tipografia de Paula Brito e considerado o primeiro romance brasileiro. O autor é também o pioneiro do primeiro folhetim publicado no país, quando inseriu, em capítulos, o romance no jornal O Brasil, veículo publicado no Rio de Janeiro.
Teixeira e Sousa, hoje injustamente esquecido, foi uma celebridade intelectual e literária entre 1840 e dezembro de 1861, mês e ano em que morreu. Em um poema, o ainda inexperiente poeta Machado de Assis, então com 16 anos, o chamou de "um gênio americano".
A atividade literária de Teixeira e Sousa o fez publicar cinco romances e diversos volumes de poemas, todos de tom épico, como os dois tomos de "A Independência do Brasil", que chamou a atenção do imperador Dom Pedro 2º.
Entre os romances, destacam-se, além do pioneiro e desbravador "O Filho do Pescador", os pouco conhecidos "As Tardes de um Pintor ou As Intrigas de um Jesuíta", de 1847, "As Fatalidades de Dous Amores", de 1856, e "Maria ou A Menina Roubada", do mesmo ano. Insere-se na segunda geração do romantismo brasileiro, e é um autor profícuo, com quase 20 obras realizadas, fora os dispersos nos jornais, sobretudo os publicados por Paula Brito, seu amigo e sócio.
Portanto, é com grande oportunidade que a 31ª Semana Teixeira e Sousa não só promove a interação cultural da cidade natal do escritor, como resgata a sua memória à cultura nacional, que no evento foi debatida e veiculada no sentido de situar Teixeira e Sousa entre os mais importantes escritores brasileiros.
Em defesa da sua primazia na inauguração do romance, sobre ele escreveu Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, na Revista do Brasil, em 1841: "O mestiço de Cabo Frio é que dá começo à história do nosso romance –do romance brasileiro, situado no Brasil, feito por filho do país, de espírito formado na terra, e a ela radicalmente ligado".
Este artigo, logo depois reproduzido como prefácio na obra maior do autor, tem por fim também chamar a atenção dos editores brasileiros para autores do passado, como é o caso de Teixeira e Sousa. Como homem público e de letras, deixou um legado que reclama, por suas inúmeras obras, uma revisita, dando a chance aos jovens estudantes de literatura e aos que apreciam a produção literária afro-brasileira, de conhecer a genialidade desse autor e os seus pioneiros escritos.
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