Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Tom Farias

Lula fala o que o Brasil precisa ouvir, mas qualquer erro agora pode ser fatal

Candidato brilhou em discurso, mas não pode esquecer o que aventura do poder pode causar para milhões de vidas

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No último sábado (7) eu fui ao lançamento que referendou a chapa Lula-Alckmin à corrida presidencial de 2 de outubro. De hábito sou bastante comedido em divulgar estas incursões a atividades políticas partidárias —eu até hoje não tenho qualquer filiação a partidos políticos, embora simpatize com uns pouquíssimos.

Mas advogo que todo mundo e qualquer cidadão brasileiro deva ir à convenções ou lançamentos de candidaturas realizadas pelos partidos políticos, por duas razões obviamente bem pragmáticas: o grande clima que envolve o ambiente, em geral de euforia, com a maioria da militância completamente exaltada e exultante pela possibilidade de estar frente à frente com seu candidato-ídolo.

Ato de lançamento da candidatura Lula e Alckmin à Presidência da República - Marlene Bergamo/Folhapress

Por outro, para que ouçamos como os candidatos se comportam diante de um público que, minimamente, espera que ele diga alguma coisa que faça sentido para um novo projeto de país.

Eu vi tudo isto na convenção do último sábado do ex-presidente Lula, diante de uma plateia cheia, emocionada, animada e feliz. A reedição de ideia de esperança estava brilhando nos olhos de todos.

Somente o fim (se é que assim podemos chamar) da pandemia para trazer todo esse clima de volta. Se continuar assim, digo os baixos índices pandêmicos, o dia a dia das ruas vai ganhar um novo colorido, com os adeptos de cada partido, desfilando com suas bandeiras, faixas e camisetas e cantando os jingles dos seus candidatos.

Como é da ciência de todos, Geraldo Alckmin não compareceu de corpo presente ao ato —o vice na chama de Lula recebeu um diagnóstico positivo de Covid e participou do evento de forma virtual. De casa, proferiu discurso de cerca de 15 minutos, de forma alegre e bem-humorada, exaltando a figura do ex-adversário e atual aliado e se pondo à disposição do seu mais novo companheiro para essa nova caminhada, em defesa da democracia e da restauração social e econômica do Brasil.

O pavilhão do Expo Center Norte estava totalmente tomado de gente —vieram milhares de militantes de toda parte do país, além de autoridades, políticos, empresários, líderes sindicais, religiosos, do movimento negro, de mulheres, LGBTQIA+, grupos de jovens, candidatos a cargos do Executivo e Legislativo, representando estados e municípios da federação.

O ex-presidente Lula teve uma plateia múltipla, numa comunhão de correligionários, lado a lado com ex-adversários, todos juntos e misturados, alguns, talvez, unidos pela primeira vez no grande palco da convenção, onde, além de Alckmin, só tiveram voz os mestres de cerimônias e o ex-presidente, vestindo um terno que o deixou elegante e altivo.

Embora a plateia geral da convenção fosse pró-Lula, eu tive a impressão que Lula não falou apenas para o público do Lula. Seu discurso foi além, ele atuou como um tambor que, numa tribo, dentro da mata, tem a função de ecoar para outras regiões os ecos de seu som.

Comedido e emocionalmente controlado —mesmo após o anúncio do seu casamento com Rosângela da Silva, que todos conhecem como Janja— o ex-presidente se mostrou pouco festivo: estava extremamente focado, sério, mas feliz.

Lógico, não fugiu à regra da leitura do texto escrito —em letras garrafais—, distribuído em diversas folhas de papel. Para quem estava de longe, observando Lula à distância, deve ter imaginado que ele faria um discurso à Fidel Castro: de horas e horas a fio.

Mas não. Lula falou pausadamente por meia hora, sem pausa, olhando para todos os convidados e para uma atenta e emocionada plateia, sem ser interrompido, e sem errar, como se o texto estivesse num teleprompter à sua frente. Seus olhos brilhavam, a cada manifestação de aplauso e vivas.

Lula é um ex-presidente, do campo democrático, que disputará um pleito com um presidente, do campo autoritário, fato que parece único na nossa história. Se bem que o ex-presidente Nilo Peçanha, que governou o Brasil em 1910 e tinha sangue negro, oriundo dos escravizados dos canaviais de Campos dos Goitacazes, sua terra natal, concorreu em 1921, contra Artur Bernardes, mas perdeu a eleição.

Foi vítima das fake news da época: cartas falsas, publicadas nos jornais, causaram tamanha crise política que muito afetou sua campanha, além da acusação de ser "mulato", numa franca referência preconceituosa sobre a cor de sua pele.

Fissuras políticas de campanhas e de candidaturas, vão ser sempre mostradas, como ferida exposta, em todas as eleições, fazem parte delas, pelo menos aqui, no nosso país tupiniquim: primeiro nas ruas, depois nas urnas (as eletrônicas) —as únicas ferramentas garantidoras de um processo legítimo e democrático.

Todos nós brasileiros sobrevivemos à Covid para ver este dia chegar, embora não fizéssemos ideia da dimensão e do tamanho do problema. Temos de fato uma polarização política, sustentada há meses pelas pesquisas de opinião realizadas pelos melhores institutos do país.

Paradoxalmente, só eleições podem resolver os males do Brasil. Hoje estamos a pouco mais de cinco meses do primeiro turno, no dia 2 de outubro; logo a seguir, no dia 30, caso haja, teremos o dever cívico de voltar às urnas.

Os jovens têm papel crucial no próximo pleito —somados a esses os 2 milhões com novos títulos, emitidos até o último dia 4 de maio. Os velhos militantes, boa parte já morta, nem sempre estão tão conectados aos novos tempos, salvo raras exceções.

O discurso é outro, tem a ver com inclusão. O Brasil de agora precisa de mais que um presidente (ou "presidenta") que saiba medir o que fala ou que controle seus arroubos: o povo precisa de alguém que se imiscua na alma das pessoas como se enxergasse o interior —com ouvidos e olhos bem atentos.

A escuta cura; o olhar deixa a gente mais conectada. A situação de desigualdade vai além de questões étnicas, raciais ou religiosas —os marcos dos grandes problemas existenciais da nação brasileira.

O Brasil ainda é hoje um país de ódios, de conflitos, em todos os campos, sobretudo no campo étnicorracial e religioso, como parte do projeto de nação, desde sua origem, no embuste do descobrimento, revestido de invasão e exploração.

Precisamos derrubar estes marcos civilizatórios e pô-los na pauta que debaterá os 200 anos da Independência, por exemplo. E sabemos que esses marcos têm classe e tem cor: de um lado, a classe é a dominante, geralmente branca, de casta bem arraigada; de outro, a cor, que é preta e é pobre, a maioria esmagadora da população.

Por tudo isso, esta eleição precisa pautar temáticas como a da educação, da economia, da saúde, do meio ambiente, da ciência, da tecnologia e inovação. Uma política florestal, calcada na proteção e sobrevivência dos povos indígenas, bem como a questão da alimentação, da moradia, do emprego, da geração de renda.

Os dramas da sociedade moderna estão postos, agravados pela pandemia, mas muito mais pela falta de políticas públicas para atacar diversos problemas, todos surgidos e ampliados de maneira muito sensível nos últimos anos.

O desafio de governar o Brasil não é pequeno. Todos aqueles que intentam disputar as próximas eleições devem ter isso em mente. Não é segredo para ninguém o que a aventura do poder pode causar para milhões de vidas brasileiras.

Não há milagre, nem truques mágicos. Lula deixou claro no seu discurso ao se lançar como candidato na disputa. Se não há truques nem milagres, resta aos que se aventurarem no caminho do Palácio do Planalto ter em mente que cada passo mal dado pode trazer consequências ainda maiores para o Brasil e seu povo, já tão sofrido e sacrificado.

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