Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tom Farias

'Medida Provisória' e Expo Favela marcam a sociedade com arte e tecnologia

Filme de Lázaro Ramos e evento com estrelas do empreendedorismo negro tiveram grande significado social

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Dois eventos marcaram a semana que passou, entre os dias 14 e 17 deste mês. O primeiro deles foi o lançamento do filme dirigido pelo ator e produtor Lázaro Ramos, "Medida Provisória", distribuído em cerca de 180 salas de cinema do país. O segundo foi a realização da Expo Favela —que deu uma guinada no surrado conceito do que é empreendedorismo nas comunidades brasileiras, em especial do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Alfred Enoch, Taís Araújo e Seu Jorge em cena do filme 'Medida Provisória' - Mariana Vianna/Divulgação

Sem dúvida, foi uma semana marcante para o mundo negro, mas especialmente também para a sociedade brasileira de um modo geral presenciar esses dois acontecimentos. Isto porque, os dois eventos —com grande significado social— impactaram no imaginário das pessoas, que a viram ou presenciaram. E ainda, ambos os eventos tiveram ampla cobertura da chamada grande imprensa.

No caso específico do filme "Medida Provisória", este começa por subverter a percepção que temos do mundo atual e faz com que passemos a olhar a distopia como uma possibilidade real diante de adversidade do mundo em que vivemos.

No filme —baseado em "Namíbia, Não!", peça teatral concebida pelo premiado escritor e dramaturgo Aldri Anunciação, dirigida por Lázaro, com imenso sucesso, em 2011— a população afro-descendente é obrigada a voltar para a África depois de uma manobra conceitual do governo ao alegar que a medida tem o sentido de reparação pelos danos causados pela escravidão quando arrancou milhares de negros e negras do seu lugar de origem.

Para justificar a execução da medida, até então não obrigatória, o governo cria o risível Ministério da Devolução, que passa a usar da força policial e da violência para "repatriar" os negros capturados pelo país, denominados de melanina acentuada —e mesmo os que não apresentarem tipo forte de melaninado, ou seja, marca típica de traços caracteristicamente africanos.

Primeiro longa-metragem do currículo de Lázaro Ramos, consagrado ator e produtor de TV e teatro, "Medida Provisória" veio para se colocar como um divisor de água quanto à forma de ver e fazer cinema.

Na concepção estabelecida pela peça escrita por Anunciação, com dois atores no elenco original, o filme, exibido na telona sob forte emoção, traz mais de 70 atores, com destaque para os papéis principais, a cargo de Taís Araújo, mulher do diretor, Alfred Enoch, ator britânico de origem brasileira —a mãe é a médica carioca Etheline Margareth Enoch, casada com o ator William Russell, um dos protagonistas da série "Doctor Who" e que está também no filme.

Estão ainda no filme Seu Jorge e as atrizes Renata Sorrah e Adriana Esteves, além de Emicida, Dani Ornellas, Cobrinha e a dona Diva Guimarães. O próprio Alfred tem como grande referência do audiovisual os papéis vividos em "Harry Potter", com a marca de sete dos oito filmes produzidos, e "How to Get Away with Murder", série criada por Shonda Rhimes e estrelada por Viola Davis.

O par romântico vivido por Tais Araújo e Alfred Enoch funcionou bem, ela na pele de Capitu, uma médica, ele de Antônio, um advogado, e Seu Jorge, como André, que traz um toque de humor, sobretudo nas cenas do confinamento do apartamento do casal.

Outro momento marcante do filme é quando os personagens estão reunidos no "Afro Bunker" —espécie genial de quilombo moderno, onde Emicida se destaca como o griô ancestral de todo o grupo. Também foi bom ver imagens da Pedra do Sal, marca significativa da tecnologia negra do período da escravidão e da cena final do longa, que deixou telespectadores surpresos e emocionados.

Outro momento marcante do final de semana foi a realização da Expo Favela, organizada pela Central Única das Favelas, a Cufa, sob a batuta de Celso Athayde, CEO da Favela Holding, e Preto Zezé, colunista desta Folha e presidente global da Cufa, que está presente em 17 países, a partir da sede em Nova York, nos Estados Unidos.

A Expo Favela, com mais de 30 horas de duração, reuniu um conjunto de empresas com o objetivo de gerar oportunidades de negócios entre empreendedores de favelas e investidores qualificados. Com palestrantes e expositores de maioria negra, de diversos estados brasileiros, contou também com a presença de importantes apoiadores do projeto, como a empresária Luiza Trajano, o apresentador Luciano Hulk e a atriz Regina Casé, esta através de videoconferência, diretamente do Rio de Janeiro.

Estrelas do empreendedorismo negro também se destacaram. Nomes como Adriana Barbosa, da Feira Preta, Frei David, da Educafro, o influencer digital Ad Júnior, ficaram lado a lado de tops como a secretária municipal de Cultura de São Paulo, Aline Torres, o apresentador da TV Globo Manoel Soares e a cantora, produtora e atriz baiana Margareth Menezes, que ainda participou de debates e painéis.

Celso Athayde destacou que o objetivo central do evento é a geração de negócios em favelas para empoderar financeiramente a comunidade e seus moradores, despertando o olhar e o interesse de potenciais investidores, para alavancar a economia local, não o contrário. O foco, para ele, não é fortalecer empreendedores para que saiam da favela. A ideia é fortalecer a todos com a favela junto.

Nos três dias da Expo Favela, que aconteceu entre 15 e 17 de abril nas dependências do imponente World Trade Center, onde circula boa parte do PIB brasileiro, o público teve acesso a palestras, workshops, exposições, rodada de negócios, premiações, apresentação de startups, mentorias, debates, cursos, filmes e até mesmo desfile de moda, visando a captação de investimentos e a expansão dos que já existem.

foto mostra espaço de um evento que juntou empreendedores da favela e investidores do asfalto
Celso Athayde e Preto Zezé lideram papo sobre empreendedorismo na favela em um dos espaços do evento no WTC - Divulgação/Expo Favela

Uma gama infinita de expositores, com seus sotaques e inovações, apresentou produtos e projetos que, bem apoiados e orientados do ponto de vista de negócio empresarial, devem ampliar o que já produz e consome: cerca de R$ 120 bilhões por ano.

Em verdade, a Expo Favela deu os primeiros passos para conectar os empreendedores da favela com os do asfalto, sabendo que todos vivem novas realidades econômicas ainda diante dos efeitos da pandemia do coronavírus, que teima em não nos deixar.

Promover a união da favela e o asfalto em um só lugar viabiliza a transformação de vidas, além de trazer novas perspectivas para velhas realidades, sobretudo quando a visão que persiste é de que a favela é o lugar da violência e da não geração de tecnologia e inovação.

Estou especialmente feliz por tudo que vi e presenciei esses dias. Foi uma experiência gigante. De um lado ver o entusiasmo e as lágrimas do público na sessão de estreia de "Medida Provisória" —jovens reproduzindo os mesmos rolezinhos da época do sucesso do filme "Pantera Negra", de 2018, que ganhou três estatuetas do Oscar a partir da direção de Ryan Coogler.

Do outro, a emoção de presenciar o Brasil reunido no grande ventre da Expo Favela, sob a direção da Cufa, essa plataforma de ideias nascida em plena favela da Cidade de Deus.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.