Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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O racismo é maior que o Brasil e combatê-lo é questão de humanidade

O novembro da Consciência Negra precisa estar inserido em todos os meses do ano como uma ação geral da sociedade

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"O racismo não tem jeito", disse-me certa vez minha mãe Flora. Com a distância que separa o lugar de fala de minha genitora, morta em 2018, e ocorrências provocadas por questões raciais no país, ela ainda tem muita razão.

Um ano depois de sua morte, em 2019, assassinatos de pessoas negras atingiram cerca de 78% de afro-brasileiros —em um universo de 30 mil óbitos—, sendo que pretos e pardos representam 56% da população total do país, hoje calculada em 212 milhões de habitantes.

As armas de fogo são os mecanismos mais letais que provocam a morte de homens e mulheres negros entre nós, mas o seu salvo-conduto é, sem dúvida, o racismo estrutural e sistêmico.

Manifestante segura placa onde se lê "racismo mata"
Em protesto, manifestante segura placa onde se lê a frase 'Racismo mata' - Pilar Olivares/Reuters

Os jovens e os adolescentes na faixa etária entre 15 a 29 anos são "as peles-alvo" mais vulneráveis à ação do crime, que vai do tráfico de drogas à matança desenfreada da polícia, percentual que atinge 61% das mortes de pessoas negras, contra 51% de não-negros, de acordo com o Instituto Sou da Paz.

Segundo o mesmo instituto, a morte de crianças e adolescentes de dez a 14 anos são duas vezes maiores do que a de não negros —somando 61% e 31%, respectivamente. Isto se chama extermínio da população preta.

Em um país com um passado fincado na empresa longeva da escravidão como é o Brasil —foram mais de 350 anos de tráfico hediondo e cativeiro—, pensar nos fundamentos do racismo como ferramenta de opressão, imposição de suposta ordem social e controle moral de camadas historicamente violentadas, é ter em mente fenótipos e tipos físicos, caracterizados no chamado "defeito de cor".

As disparidades socioeconômicas, além da demográfica, estão entre os índices que devem ser relacionados ao racismo, sobretudo quando se trata de mortes violentas.

Nesse quadro de expectativas, quanto menor for a idade maior é o alvo da ação violenta que recodifica o aumento de mortes, por assassinatos, de jovens negros no país.

Sem dúvida, os pressupostos que incidem sobre essa questão, referendam o protecionismo da Justiça a favor de corpos brancos, o privilégio sobre estes mesmos corpos, além da própria estrutura social e jurídica que comprovadamente favorece uns em detrimento de outros.

Objetivamente, relacionar vidas negras perdidas, em especial por mortes violentas —os exemplos cotidianos são muitos— ao racismo, enfronhado na estrutura do estado brasileiro, é o primeiro passo para diagnosticar o problema e procurar soluções adequadas e plausíveis.

Esse diagnóstico passa necessariamente por uma discussão fundamental: estabelecer uma tipificação única para o crime de racismo no Brasil.

O crime de injúria racial está inserido no capítulo dos crimes contra a honra, previsto no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal (lei 2.848/40), afiançável e prescritível. Já a lei 7.716/89, conhecida como Lei do Racismo ou Lei Caó, foi elaborada para regulamentar a punição de crimes resultantes de raça ou de cor. A lei nº 9.459/13, por fim, ampliou esse espectro e acrescentou a estas referências de raça e cor também etnia, religião e procedência nacional.

A abolição de métodos ainda medievais —praticados durante todo Brasil Colônia e pelo Império, e que por sua prática letal passou a ser o modus operandi da República, utilizado pela polícia, durante a ditadura militar e hoje pela milícia— é um dos fatores que aprimora a leitura da existência dos capitães do mato contemporâneos e das senzalas escondidas nos quartinhos de empregadas de certas "casas de família".

Esse novembro que está indo embora nos deixa sempre processos profundos de reflexões. Durante a 2ª Expo Internacional da Consciência Negra, aqui em São Paulo, constatamos o quanto temos muito a caminhar e a aprender.

Primeiro aprendizado é que que esse "novembro" precisa estar inserido em todos os meses do ano. Não deve ser uma data, mas uma ação da sociedade como um todo.

Se é tão importante para a sociedade brasileira o combate aos males do racismo —afinal é crime e ele mata vidas inocentes— é preciso que o seu fim tenha de ser o elemento fundador de nossa brasilidade, enquanto povo e seres revestidos de humanidade.

Se não atingirmos logo esse objetivo, teremos que lamentar e aceitar a pior das constatações: o racismo é maior do que o Brasil. E como estamos no mês da consciência negra, cabe lembrar a máxima do abolicionista José do Patrocínio: "A escravidão é um roubo. Todo dono de escravo é ladrão."

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