Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Tom Farias

De Vó Eva a ministra negra, novos ventos sopraram no Brasil neste ano de 2023

Encerrar o ano falando da maioria da população parda e da nomeação de uma mulher negra traz certo ar de esperança

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Esta é a última coluna do ano, e eu gostaria de dedicá-la a três acontecimentos que considero marcantes para o desfecho de 2023.

O aniversário de 113 anos de dona Eva, uma quilombola da região de Búzios, no Rio de Janeiro, do quilombo da Rasa; os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrando, pela primeira vez, que o percentual de pessoas autodeclaradas pardas ultrapassou o de brancas; e, por fim, a indicação de uma ministra negra para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Edilene Lobo ao tomar posse em cerimônia no Tribunal Superior Eleitoral - Antonio Augusto/Secom/TSE

O Brasil tem sempre poucas razões para comemorar alguma coisa sobre o povo negro. Os quatro anos do governo passado bem foram assim.

No entanto, a comemoração do aniversário de dona Eva, ou Vó Eva, foi festejado por cerca de cem pessoas, entre parentes e amigos, como noticiou o jornal local Búzios Notícias. Vó Eva, além de ter direito a bolo, cantou a música de que mais gostava, "Na Casa de Farinha", entoada por vozes femininas e masculinas, e coro infantil, com muita alegria e descontração.

Vó Eva é o símbolo de um país cada vez mais negro, como constatou o Censo 2022 do IBGE na semana passada. Para os novos dados apresentados, o país pardo ultrapassou o país branco, pela primeira vez na história da medição populacional brasileira.

Estatisticamente, os números relevados nos surpreendem. De acordo com o instituto, pardos correspondem hoje a 45,3%, ante o percentual de 43,5% de brancos. Mas para os negros brasileiros —pretos e pardos, conforme a nomenclatura do próprio IBGE— o sentimento de ser maioria é antigo, como já reflete a realidade, em todos os quadrantes do território nacional.

Ser maioria numérica, infelizmente, não corresponde a um pertencimento à vida brasileira como cidadão de fato e de direito. Pelo contrário. Pretos, que atingiram agora 10,2%, e pardos, estão na base da pirâmide social, se comparados a pessoas brancas, especialmente na economia.

Por outro lado, os negros fazem parte das piores estatísticas quando se trata de criminalidade, mortes, acesso à educação e saúde, moradia, bem-estar social e cultural, no âmbito das políticas públicas.

Para um país onde discutir questões raciais ainda é quase tabu, os números do IBGE precisam ser vistos com cautela.

É óbvio que há um contingente cada vez maior de pretos e pardos. Os negros crescem a olhos vistos, e não é de hoje. Notoriamente, daqui a 50 anos, a população negra que hoje é de 55,5%, ou 112.739.744 pessoas, terá crescido de 20% a 30%, ainda de acordo com dados do IBGE.

No primeiro censo oficial do país, realizado em 1872, ainda na época do segundo império, o Brasil era visto pelo viés de uma nação europeia. No caso atual, o censo tem sido uma forma de dar voz a uma população que está invisibilizada pelo sistema populacional, como os meios de comunicação, em novelas e telejornais.

O crescimento do número populacional precisa ser refletido também nos cargos públicos e no comando do país. A nomeação da ministra (substituta) do Tribunal Superior Eleitoral, Vera Lúcia Santana Araújo, a segunda realizada pelo presidente Lula, é um pequeno passo no caminho da reparação.

O presidente sabe, e não precisa de "pressão" de casa, que as mulheres negras querem ser indicadas para o STF (Supremo Tribunal Federal). Enquanto isso não acontecer, após 130 anos de criação do órgão, a pressão, de casa ou de fora, não deve cessar.

Ter uma mulher negra no Supremo não é apenas símbolo de poder, mas reconhecimento da capacidade de comando da mulher negra. É uma demonstração de capacidade de enxergar o equilíbrio de uma população, que, além de tudo, é a maioria da nossa população, na casa de 54%.

Portanto, encerrar o ano falando de Vó Eva, maioria da população parda e da nomeação de uma mulher negra, mesmo que substituta, para um dos órgãos máximos da nação, traz um certo ar de esperança que 2024 tragam novos ventos, no campo da equidade e do pertencimento.

Boas festas e ótima virada de ano para todas, todos e todes.

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