Veny Santos

Escritor, jornalista e sociólogo, é autor de "Batida do Caos" e "Nós na Garganta".

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Veny Santos
Descrição de chapéu universidade

É preciso romper com antigos dogmas que persistem na educação

Ensino deve favorecer mentes propositivas, com ideias originais e passíveis de críticas, além do eterno ato de copiar

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Bons copistas. Ao entrarem na sala de aula, avistavam a lousa desenhada, em sua completude, por palavras a fio. Organizadas em períodos que da última carteira mais pareciam borrões de giz, causavam cansaço só de olhar.

As tantas mentes em formação faziam um esforço grande para deixar a imaginação de lado e ter sua atenção voltada apenas ao foco em grafar nos seus cadernos a lição. "Copiem." Se não fosse do quadro negro, dos livros. "Copiem." Sentenças e mais sentenças que ecoavam no pensamento sem se fixarem. "Copiem." Copiavam.

Lousa de uma aula de trigonometria.
Lousa de uma aula de trigonometria - Freepik

As discussões sobre modelos arcaicos de educação que limitam o desenvolvimento cognitivo reflexivo (cuja capacidade de abstração e racionalização convivem em sentido complementar, não excludente) são antigas.

Tão antigas quanto as memórias dos estudantes de escolas públicas que vivenciaram uma formação às pressas, insuficiente, que oferecia o mínimo por meio do esforço —e também não esforço— dos docentes. Aprender a copiar, decorar frases e reproduzi-las nas provas.

O treino que recebiam estes alunos ajudava na concentração e no desenvolvimento da capacidade de atenção. Porém, aplicado de maneira excessiva, calejava o ímpeto da articulação: a arte de conectar os saberes e imaginar novos caminhos para as complexidades da realidade concreta.

Anos de dogmatização dos processos educativos —principalmente nos locais distantes do centro das cidades, durante a década de 1990— impactaram na forma como poucos e poucas que conseguiram uma vaga nas universidades lidaram com aquilo que lhes foi passado enquanto conhecimento.

Afirmo porque vivi e vi a dificuldade em ir além do copiar, nos primeiros anos de curso, e reaprender a aprender sem as amarras da deseducação limitadora. Fichamentos ajudaram muito, inclusive.

Os professores exigiam maior participação nas aulas, um contato íntimo com os textos, um diálogo entre o autor e nós, iniciantes nos estudos tidos como universais. Com as avaliações, ardiam as chagas de um passado escolar de amanuenses —sem a importância histórica destes. "Copiem", e copiavam, apenas.

Na elaboração de artigos ou respostas dissertativas, o desafio era compreender que o conhecimento absorvido não se limitava mais a ser replicado, na íntegra, por força maior da memória.

Era preciso articulá-lo. E neste ponto ponho em perspectiva o que mais careceu nas escolas que fundamentaram a formação das gerações —que hoje, por sua vez, transformam as sociedades a partir do que decoraram das lousas fartas. É a articulação dos saberes.

Ao longo dos anos na academia, era perceptível o vício em copiar, decorar e reproduzir ipsis litteris teorias, conceitos e frases de autores. Gabavam-se, inclusive, aqueles que até tentavam simular a entonação dos pensadores e pensadoras no momento de teatralizar a fala mimetizada, durante seminário ou debate em mesa de bar.

Especialistas em trocar palavras para simular a concepção de um novo pensamento filosófico, uma nova crítica a obras clássicas, nada articulavam, apenas reproduziam o copiado.

Apoiados na falsa segurança argumentativa alicerçada por anacronismos, alguns colegas de classe ganhavam o título de especialistas em determinados autores apenas por serem, no caso, bons copistas — título esse que era, também, incentivado por acadêmicos embriagados pela vaidade intelectual.

Fora das paredes dogmáticas das universidades, o pó de giz em suas frases feitas revelava borrões antigos e um cansaço conhecido.

Com esforço, conseguiam romper com o receio inconsciente de se colocar, de fato, como mentes propositivas —arriscando a si mesmos e suas trajetórias em construção com ideias originais e passíveis de críticas.

Somente assim se fará possível avançar com os debates propostos por antigos mestres e mestras. Conhecimento prático, útil, comprometido com o povo, para além do corpo acadêmico, estruturado no intuito de romper com o cármico ciclo no qual as discussões de ontem aparecem, hoje, copiadas, como se fossem inéditas.

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