A soma. Em 21 anos você nasce, cresce, entra para a escola, aprende o que tem para aprender e consegue se formar. No meio do caminho, consegue um primeiro emprego, faz um cursinho, presta vestibular para, então, iniciar a faculdade. O trabalho vira estágio, o estágio vira trabalho novamente, surge a chance de sair da casa dos pais e dividir apartamento com alguém.
A vida cresce, apresenta dificuldades, mas também possibilidades. Vinte e um anos se passaram e mais vinte e um estão por vir. Futuro? Casa própria, carro, um bom plano de saúde, filhos, viagens, investimentos, aposentadoria, sossego. Chegar aos 80 anos com um jardim de lembranças bem cultivadas.
A subtração. Em 21 anos você nasce, cresce logo cedo, às pressas, precisa ajudar em casa, estudar e não repetir porque a professora disse que correria o risco de puxar carroça. Antes de terminar a escola (se terminar) já necessita de emprego. Não tem plano de saúde, nem terapia. É tudo corrido, com pressa, sem massagem. Tropeça uma vírgula na outra —entre uma pausa e outra— engasgando com a comida que não mastiga, só engole para ir rápido e estufar a barriga sempre no negativo.
Aos 21 é maior de idade. Tudo corrido e na correria há risco mesmo sem apresentar risco: um enquadro, um olhar torto, um temperamento alterado do outro lado da farda, uma forja, nenhum escudo para se proteger, rodou aos 21, rodou para sempre. Se chegar a completar duas décadas e um ano, é mistura de alívio com agonia renovada. Será que terá mais 21? Se tiver, serão seus últimos.
No extremo das geografias urbanas, um mapa revelou o buraco no qual caberia 21 anos de vida. A fissura que divide literaturas vivas e cotidianas —escritas nos cantos que ninguém lê— das epopeias enclausuradas nas mansões dos herdeiros trajados de heróis define de quem se subtrai e a quem se soma.
O que eu quero para 2023? Quero 21 anos de volta.
Neste 2022 prestes a se findar, divulgou-se mais uma edição do Mapa da Desigualdade, iniciativa da Rede Nossa São Paulo em parceria com outras instituições. Nele, diversos marcadores traçam os caminhos pelos quais os olhos do dia a dia já não percebem a realidade latente: a das distâncias sociais. Distâncias essas que chamam atenção para o fator primordial da humanidade contido no direito de existir com dignidade. Existir com chances de permanecer existindo.
No estudo, a longa lista com a expectativa de vida nos bairros de São Paulo revela uma diferença de 21 anos entre quem vive nos Jardins até os 80 e quem morre em Iguatemi aos 59. Iguatemi, zona leste, próximo ao município de Santo André. Cidade Tiradentes, Jardim Ângela e São Rafael também, 59 anos. Extremos demais para que o poder público vá além da lógica biopolítica de se fazer viver um grupo e deixar o outro morrer.
Escrever, refletir, seguir abordando temas que nunca variam. Na constante composição de textos que atuam como registros do status quo por outra perspectiva que não a fria e exclusivamente descritiva, não nos resta muito senão buscar em nossa própria diversidade estratégias de sobreviver com 21 anos a menos. Nós, os pais, filhos, amigas, irmãs, povo que, como versou o Trilha Sonora do Gueto, é "programado para morrer". Parece até privilégio poder morrer de morte morrida, como diriam as avós.
No próximo ano e nos 21 adiante o que se quer é o mínimo. Fora das redes sociais ou do jornalismo que se rendeu à vontade de financiadores de golpes e adultos mimados a pautar periódicos como se fossem seus diários pessoais, tem toda uma gente cuja morte precoce é esperada e ainda assim permanece em luta. Gente que não tem tempo para se importar com reação do mercado, que não chamaria de gastança R$ 600 para comida, água, luz, nem qualquer outro valor a garantir remédios gratuitos, reforço na educação, acesso à dignidade, à vida. Gente cheia de expectativa que tem o direito de tomar de volta 21 anos roubados, substituindo a vela do funeral pela do aniversário.
É o que queremos para 2023. Vinte e um anos de volta.
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