Veny Santos

Escritor, jornalista e sociólogo, é autor de "Batida do Caos" e "Nós na Garganta".

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Pergunto-me onde está a utilidade de parte da opinião pública

Há vezes em que proveitosa é aquela opinião que se traduz em ações não de coerção, mas de coesão social

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Há vezes em que a opinião útil é aquela que assim não se pretende. Isso porque despede-se do que nunca esteve em sua origem: uma autovalorização delirante que deveria concebê-la como verdade absoluta e inquestionável, ainda que isso não seja, presenteando a quem escovou os dourados fios de sua vaidade com a sensação ludibriante de que mais importante do que sua função é a ilusão de desembaraçar o mundo das ideias.

Elisabeth Noelle-Neumann, em sua obra "A espiral do silêncio - opinião pública: nosso tecido social", apresentou inúmeras definições de opinião pública, partindo da antiguidade até os tempos modernos, e propôs um profundo debate teórico sobre o assunto. Caminhemos um pouco por ele.

Quase todas as definições (ou tentativas de definições) do termo discutiam a formulação das opiniões do povo, relevância para o meio social e o quanto elas dizem saber não só a respeito da realidade, mas do que se espera das tantas realidades vistas pelas perspectivas de quem vocaliza seu ponto de vista, seja para se integrar a determinados grupos —e sentir-se assim parte de uma maioria— ou se silencia para não sair destes (espiral do silêncio).

Ilustração de pessoas conversando. sobre elas há um balão de fala
Ilustração de Catarina Pignato

Em determinado trecho, quando cita a "A República", de Platão, destacando uma conversa de Sócrates com Glauco e outros indivíduos presentes no contexto, a autora demonstra que o entendimento sobre a opinião tinha caráter intermediário e a colocava entre o conhecimento e a ignorância.

"– Então pensas que a opinião é mais obscura que o conhecimento, ainda que seja mais clara que a ignorância", perguntaram a Sócrates, que respondeu com um "muito mais" e confirmou estar tal forma de expressão do pensamento no meio destes dois extremos. Complementar a esta perspectiva veio a de Elisabeth, uma de tantas, que atribuía à opinião pública a função de mudar ou defender posições já consolidadas na sociedade. Intrigante as complexidades apresentadas acerca do assunto.

Sem se reduzir apenas aos conhecimentos ocidentais, a obra de Neumann dedica um capítulo para se investigar as formas de opinião pública entre povos originários de África, especificamente os pigmeus do Congo relatados no livro "The forest people" (Os habitantes da selva), de Colin M. Turnbull, antropólogo anglo-americano.Nos dois episódios descritos, membros cometem infrações que prejudicavam a coesão do todo. Em consequência de tais atos, foram depreciados e ridicularizados até que, finalmente, reintegrados à coletividade.

O retorno aos costumes e a ordem que regia os pigmeus se deu pela forma com a qual a opinião geral definiu o comportamento do coletivo com os indivíduos que desrespeitaram as tradições. "Controle social", por assim dizer.

Hoje, qual é a função das ideias frequentemente defendidas pelo público geral nas caixas de comentário? Ordem ou caos? Há meio-termo? Estão elas no intermédio que Sócrates citou —umbrosas perante o saber, ainda que alvas diante da ignorância? Qual é sua utilidade pública?

Ao reparar no entulho opinativo que contaminou meios de comunicação quanto à tragédia pela qual passa o Rio Grande do Sul, por exemplo, pergunta-se: para que/quem servem determinadas opiniões? Reestabelecer a harmonia social num momento de profunda dor ou promover controle social das narrativas —e dos narradores— ao disseminar violência e forjar indignação com falseamento de fatos? E os ataques, a ridicularização, a depreciação? São direcionados a quem está ajudando ou cometendo crimes em nome de uma falsa liberdade de expressão? Quando parte da opinião pública —e da imprensa— confunde oposição a ideias com obsessão por ideias, qual é a real função da crítica autoproclamada útil?

Ao ler opiniões que custam a homeostasia, mais do que encará-las com desgosto, resta ponderar a respeito da construção tanto do saber quanto da insciência. Há vezes em que proveitosa é aquela opinião que se traduz em ações não de coerção, mas de coesão social.

As formas de ajudar a população do Rio Grande do Sul podem ser acessadas neste link.

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