Nunca houve um tempo no qual ter filhos fosse simples e livre de angústias. O que muda com cada época são as condições e respostas próprias para enfrentar o desafio. Entre as gerações de sociedades tradicionais da África subsaariana, por exemplo, o hábito é que as avós assumam imediatamente o cuidado com o recém-nascido, reduzindo o contato entre a mãe e o bebê ao ato de amamentar. Isso permite que a geração anterior amortize a novidade a partir da experiência dos mais velhos. Só quando se tornar avó essa mulher terá com os netos a experiência que costumamos ter como mães em nossa cultura. É como se a maternidade pulasse uma geração para ser vivida como a conhecemos entre nós.
E como nós, enquanto sociedade, respondemos à chegada dos filhos? Ao perder a transmissão geracional do cuidado com as crianças, restou ao especialista (pediatra, professor, psicólogo, fonoaudiólogo) intervir para que pais e mães não ficassem à deriva. Fato incontornável de uma cultura que foi se tornando cada vez menos afeita aos laços sociais não comerciais. O problema não é que o profissional responda a essa demanda, mas de que lugar o faz.
O uso mais nefasto que se pode fazer da parentalidade é aquele no qual o profissional vende a ideia de garantir, controlar, predizer a criação dos filhos e o bem-estar de pais e mães. Eu diria que o que de pior certas práticas "bem-intencionadas" têm promovido é a surdez subjetiva. Trata-se daquele profissional que vende resultados de desempenho e faz cara de quem escuta os pais para melhor encaixá-los em algum diagnóstico previamente categorizado. Fazem isso prometendo o caminho suave da parentalidade, livre dos desagradáveis odores do inconsciente humano.
Da mesma forma que se busca selecionar a transmissão genética, está em jogo aqui a proeza de criar seres humanos sem os vexames psíquicos e os deslizes da sexualidade.
Não é de hoje que se aspira controlar o indomável em nós, aquilo que nos inspira, dá vida e promove o desejo, mas também é fonte de embaraço e sofrimento. A questão é que não só não é possível ser alijado da maior e mais interessante parte de nossa estrutura psíquica (Freud chamava a consciência de mera ponta de um iceberg), como o recalcado retorna na forma de mais sofrimento e mais sintomas. Daí o paradoxo: nunca tivemos tantos "profissionais da parentalidade" e tantos pais e mães se sentindo incapazes, pois o tecnicismo impede a espontaneidade e as descobertas mútuas entre pais e filhos.
Costumava fazer piada sobre essa aspiração atual por ser "coaching mommy" e não foi sem um suspiro de aflição que descobri que já existem. Na lógica mercantil do "resultado garantido ou seu dinheiro de volta" o que seria o filho-resultado? Como as crianças respondem a tanto investimento? Soterradas por expectativas e investimentos impossíveis de corresponder, elas adoecem, evitam se lançar na vida, deprimem.
Pais, mães e cuidadores não são tábulas rasas a serem adestrados por especialistas. São sujeitos com uma história, com inconsciente, com sofrimentos e alegrias que serão transmitidos aos filhos quer queiram, quer não. As crianças tampouco são sujeitos genéricos, moldáveis às expectativas e desejos da geração anterior. Aliás, o que uma geração mais faz é se rebelar diante da ingerência da geração anterior.
A única garantia da parentalidade é que não há preparação possível para ela. Como não dá para fazer esse omelete sem quebrar muitos ovos, duvide de qualquer discurso que lhe prometa o contrário.
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