Descendentes de pioneiros do sushi perpetuam tradição da mesa nikkei em SP

Na segunda (18), comemoram-se 110 anos da imigração japonesa

Sofia Fernandes
São Paulo

A despeito de sua atual popularidade e história centenária no Brasil, a gastronomia japonesa saiu do gueto faz pouco mais de 30 anos.

Assim como foi um espanto para a primeira leva de imigrantes japoneses ver que o feijão pode ser salgado, e não restrito a receitas doces, o brasileiro não amou de cara a culinária nikkei dos imigrantes.

Os pioneiros chegaram há 110 anos no navio Kasato Maru, com conservas, molhos, temperos e hashis para refeições ricas em pescados e vegetais. Mas, ao desembarcarem, foi carne e leite o que mais encontraram, quase uma novidade para eles. Até 1872, era proibido no Japão abater animais de carne vermelha, e a vaca era usada no arado.

A chegada da embarcação, em 18 de junho de 1908, marca o início da imigração japonesa, a ser celebrada em São Paulo, na próxima segunda (18). 

Uma geração de mestres sushimen insistiu e conseguiu desbravar o mercado nacional, adaptando-se aos ingredientes e à clientela locais sem abrir mão da tradição.

Estavam acompanhados de mulheres, filhos, irmãos e sobrinhos, que assumiam juntos o compromisso de fazer comida tradicional. A Folha ouviu histórias de três famílias pioneiras do sushi no Brasil.

 

​​Família Haraguchi
Foi a vontade de viajar o mundo que levou Masanobu Haraguchi, 65, à cozinha. Ele era estudante no sul do Japão quando viu um folheto de recrutamento de cozinheiros para um navio de passageiros. Candidatou-se à vaga e, enquanto esperava, pediu estágio num grande restaurante em Osaka.

No Japão, quem entra na cozinha é chamado de perseguido, e a estreia dele fez jus à fama. Aos 18 anos, tomava golpes de cabo de faca e chutes de tamanco de madeira quando errava cortes, que tinha que aprender observando os mais experientes.

Ele, que mal fala português, está todo dia atrás do balcão de seu restaurante, Ban —nome de seu primeiro mestre.

Haraguchi veio para o país em 1979 e por aqui ficou. Inaugurou seu primeiro restaurante, Semba, 20 anos depois. “Os poucos brasileiros que tentavam visitar não sabiam o que pedir”. Foi quando criou o menu degustação, o que ajudou o brasileiro a conhecer melhor o cardápio nikkei.

Margarida, a mulher de Masanobu, herdou da mãe japonesa o gosto pela cozinha, com quem aprendeu a fazer tudo do zero, até shoyu e tofu.

Ela é a terceira dona e cuida do cardápio do Issa, um dos melhores izakayas (botecos japoneses) de São Paulo. O irmão Inácio cuida da cozinha.

Os dois filhos de Margarida, Lúcio e Sérgio Ouba, moraram por mais de 20 anos no Japão. Voltaram ao Brasil em 2014 e abriram em SP o Izakaya Matsu —comida quente, esquema balcão, sempre cheio.

“Há muita coisa abrasileirada no nosso restaurante, como a quantidade maior de comida que a gente serve. Vimos que o brasileiro iria sentir falta de sustança”, brinca Lúcio.

Ban
Rua Tomás Gonzaga, 18, Liberdade. De ter. a sex., das 11h30 às 14h30 e das 18h às 22h30; sáb. e dom., das 11h30 às 15h30 e das 18h às 21h30.

 

Família Mizumoto + Yamashita
Embora a mulher ocupe posição lateral na gastronomia japonesa tradicional, o sushi que se come no Brasil não seria o mesmo sem pessoas como Miyuki Mizumoto.

Ela promoveu por anos o intercâmbio de sushimen japoneses no restaurante da família, o Shin-Zushi. Por lá passaram quase todos os homens do clã, como o sobrinho Edson Yamashita, dono do Ryo, estrelado pelo Guia Michelin.

Ela tinha um ano quando veio com os pais e irmãos para as lavouras de SP. Logo cuidaram de abrir um mercadinho e, na lida no comércio, conheceu o seu marido, o mestre sushiman Shinji Mizumoto.

Casaram-se e abriram um restaurante na Liberdade. Em 1992, Shinji —cuja faca está exposta no Museu da Imigração Japonesa— morreu de câncer, aos 44 anos. Ficaram três filhos ainda crianças, um restaurante e dívidas. 

“Contratamos alguns sushimen, mas o restaurante foi ficando ruim”, lembra a matriarca, que entrou em contato com donos de restaurantes em Tóquio e passou a receber sushimen para temporadas. Isso durou dez anos, período em que filhos e sobrinhos aprenderam como se estivessem em solo japonês.

Há poucos anos, após uma década no Japão, o primogênito Ken voltou ao Brasil e assumiu o posto do primo Edson à frente do Shin-Zushi.

Hoje, ele se reveza entre o Izakaya Yorimichi, que abriu em 2016, e o restaurante da família, onde compartilha os trabalhos com o irmão Nobu.

Outra casa é a Makoto San, de Hélio Makoto Yamashita, sobrinho de Miyaki. Os filhos de Makoto, Rafael e Yumi, estagiam no Shin-Zushi —ele na cozinha, ela como garçonete.

Shin-Zushi
Rua Afonso de Freitas, 169, Paraíso. De ter. a sáb., das 11h30 às 14h e das 18h às 22h30, dom. das 18h às 22h.

 

Família Shimizu
Os filhos, sobretudo os mais velhos, têm quase que a obrigação de tomar a frente dos negócios na ausência do pai.

Hideto, 38, o mais velho da família, abriu um restaurante aos 22 anos. Mas não foi o pai, Mitsuaki, um dos que introduziram a comida japonesa no país, que lhe ensinou o ofício, adquirido como autodidata.

“Se quiser sobreviver na cozinha, precisa aprender a roubar a técnica observando”, dizia o patriarca. Aprendeu na cola do ajudante do restaurante da família, o Sushiguen.

Hideto viveu no Japão e até trabalhou no lendário Nobu. Quando voltou ao Brasil, encontrou o restaurante da família dando lucro e buscou seu próprio negócio. Foi um motivo de reunião familiar, quando falou em fazer entregas. “Como alguém que passou por todas as escolas volta para abrir um delivery?”

Hoje, o Sushi Beta, com matriz em NY e uma operação de delivery em São Paulo, tem 12 mil usuários regulares e possui uma plataforma que controla o processo do pedido, passando pela produção até a entrega de uma refeição.

Mitsuaki, o pai, morreu em 2017. O vácuo foi assumido por Júlio Shimizu, primo de Hideto, e há um mês, Takeshi, irmão mais novo de Hideto, que chegou do Japão, também juntou-se à operação.

Sushiguen
Rua Manuel da Nóbrega, 76, Jardim Paulista. De seg. a sáb., das 11h30 às 14h30 e das 18h às 22h30.
 

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior deste texto, os nomes Takeshi e Mitsuaki estavam grafados incorretamente.

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