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Carlos Alberto Dória

Depois da farinata, chefs se unem contra a bancada ruralista

Categoria luta contra projeto permissivo sobre o uso de agrotóxicos, o PL do veneno

Cartaz exibido na discussão do projeto de lei na Câmara dos Deputados - Pedro Ladeira/Folhapress

Talvez com exceção da Espanha, por razões particulares, os chefs de cozinha são bastante alheios às causas políticas. Entende-se. É duro sobreviver em meio a crises e a um mercado tão restrito. Precisam ganhar a vida e pouco tempo sobra para considerar os dilemas sociais.

Mas agora, frente à ameaça da bancada ruralista de aprovar projeto permissivo sobre o uso de agrotóxicos (o chamado PL do veneno), surge um novo horizonte de lutas para a gastronomia. Não há gastronomia com contaminação das matérias-primas.

Se antes os chefs de cozinha se preocupavam com a contaminação biológica, hoje a contaminação química soma-se a ela, por venenos utilizados em quantidade e qualidade inéditas. É a contaminação pós-biológica. Risco grave que se mede em número de casos de câncer onde se concentra o agronegócio (culturas da cana, da soja, do milho e do algodão).

A luta contra o PL do veneno é abraçada pelo pessoal do #chegadeagrotoxicos ao qual se somaram várias entidades de agroecologia, alimentação escolar saudável, nutricionistas, e um grupo de 55 chefs de cozinha que se uniram no ano passado contra a farinata do prefeito João Doria, num movimento intitulado Banquetaço.

O último episódio dessa luta foi organizar um manifesto no qual se somaram o Banquetaço, o Greenpeace, o SlowFood, o #342 Amazonia e a ABA (Associação Brasileira de Agroecologia). O manifesto denunciava a feira Chef pelo Agro, realizada no sábado passado no Ibirapuera, como uma guerra midiática desproporcional entre os interesses do agronegócio e os dos que lutam pela alimentação de verdade.

A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária), órgão de classe do agronegócio e promotora da feira, tem favorecido um fogo de encontro contra as iniciativas de esclarecimento dos perigos dos agrotóxicos. E a feira Chef pelo Agro seguia a mesma lógica, ao procurar aproximar o agronegócio do público, promovendo uma atividade "simpática" graças ao prestígio da gastronomia.

Mas o tiro saiu pela culatra. Muitos dos 20 chefs e produtores, presentes na Chef pelo Agro, fiéis às bandeiras do movimento contra os agrotóxicos, colaram cartazes com dizeres contra o PL do veneno nas suas barracas de venda.

Dessa maneira, a propalada "união dos chefs", que sempre careceu de objetivos concretos, parece ter ganho uma chance de se tornar efetiva.

É o que se verá nas próximas oportunidades de enfrentamento dos dois modelos alimentares, como no seminário aberto sobre a PNaRA (Política de Redução de Agrotóxicos), a se realizar na Câmara Municipal de São Paulo, no próximo dia 9, entre 14h e 18h.

A presença de todos, unidos, será a prova cabal de que a atuação política dos chefs de cozinha deu, de fato, um salto de qualidade. De artífices de sabores, a artífices de um futuro melhor.

Carlos Alberto Dória 
É doutor em Sociologia pela Unicamp, autor do livro “Formação da Culinária Brasileira” (Três Estrelas, 2014)

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