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Cadeias Alimentares sustentabilidade

A escolha do seu alimento transforma a sociedade

Monoculturas e concentração de territórios causam, há séculos, efeitos devastadores

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Fernando Rossetti

Jornalista, consultor e presidente do conselho de administração da Tabôa

Serra Grande (BA)

Mais do que uma forma de produzir alimentos, a agroecologia é um modo de organizar a sociedade e sua economia.

Em torno dela vem se articulando uma sofisticada cadeia, de agricultores a agentes de crédito, de redes de comercialização e certificação a cursos e técnicos que qualificam essa prática, apoiados por recursos filantrópicos de institutos e fundações.

Fazenda Uberaba, em Esperança Nova (PR), que aplica o método ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta)
Fazenda Uberaba, em Esperança Nova (PR), que aplica o método ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta) - Gabriel Cabral/Folhapress

Agroecologia busca uma relação mais respeitosa com a natureza: diversifica cultivos, integra saberes ancestrais e conhecimentos científicos, não despeja produtos químicos na terra —gerando alimentos saudáveis e renda estável para quem os produz, entre outros benefícios.

As monoculturas e a concentração de vastos territórios nas mãos de poucos causam, há séculos, efeitos devastadores. Além das doenças, que ciclicamente dizimam plantações, estudo do WWF afirma que, só nos últimos 50 anos, 60% de todos os mamíferos, pássaros, peixes e répteis foram extintos.

Os impactos sociais do modelo hegemônico na agricultura brasileira, acentuados pelo desgoverno atual, são igualmente destrutivos. Basta rever o que aconteceu com as cidades brasileiras. No Censo do IBGE de 1950, cerca de dois terços das pessoas (64%) viviam no meio rural. Já no último Censo, de 2010, a população urbana no Brasil chegou a 84% —e a rural caiu para meros 16%.

O resultado se traduz em desigualdades assustadoras, favelas ladeadas por mansões, violência, escassez de água e consumo excessivo de comida industrializada mais barata, mas de baixo valor nutricional.

Como diz uma liderança agrícola em Serra Grande, "a gente era rica e não sabia", referindo-se ao tipo de progresso que predomina na região, apesar de existirem na área várias iniciativas inovadoras.

Agroecologia se realiza a partir de movimentos sociais de base, articulados a governos, empresas e organizações da sociedade civil, que promovem juntos, não sem conflitos, o que se convencionou chamar de desenvolvimento sustentável.

Há certa controvérsia sobre como medir a proporção de alimentos produzida hoje pela agricultura familiar — não necessariamente agroecológica, nem orgânica, embora seja um bom começo.

Estudos baseados no Censo Agro 2017 do IBGE apontam que 70% do que é ingerido no país provém desse tipo de lavoura. Outras pesquisas, digamos, menos reconhecidas, indicam que isso seria bem menor, na faixa dos 25%, considerando o valor dos produtos vendidos.

A guerra de narrativas é evidente também neste setor —e há de se considerar os recursos que o agronegócio investe em comunicação e marketing, diante da capacidade que agricultores agroecológicos dispõem para isso.

Há experiências modelares no país: mulheres e jovens se empoderam nas roças do Nordeste, famílias cultivam alimentos saudáveis e heranças culturais no Sul, povos tradicionais vendem produtos da Amazônia e a preservam, fazendas de cana paulistas implementam novas formas de produção.

O caminho para a reorganização da agricultura em bases agroecológicas é complexo, longo e envolve a atuação do Estado, suas políticas públicas e uma revisão profunda do que move os negócios —ESG é apenas o início.

Na esfera individual, comprar na feira livre em vez do supermercado (e cobrar um produto orgânico), ou pedir no restaurante suco agroecológico, não refrigerante, além de evitar o consumo de ultraprocessados, constrói uma sociedade mais inclusiva, saudável e sustentável.

A alternativa a isso nós já estamos vivenciando.

O caderno especial Cadeias Alimentares contou com apoio do Instituto Ibirapitanga

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