Camarão-carabineiro, que custa R$ 400 o quilo, tem sabor forte; veja onde provar

Graúdo e de cor vermelha intensa, ele é pescado em alto-mar por apenas um barco no Brasil

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São Paulo

O carabineiro é a iguaria do momento no Brasil.

Por iguaria, entende-se um alimento raro e de qualidade excepcional. A combinação de atributos resulta em preço exorbitante e na consequente exclusividade —esta, o único artigo à venda no mercado do luxo.

Prato com camarão carabineiro, que é um dos tipos de camarão mais caros que existe, servido no restaurante Picchi, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo
Prato com camarão-carabineiro, que é um dos tipos de camarão mais caros que existe, servido no restaurante Picchi, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

E ponha exclusivo no tal do camarão-carabineiro, nome vulgar do Aristaeopsis edwardsiana. Há só um barco a pescá-lo no Brasil, em águas profundas e distantes da costa.

O quilo, em São Paulo, é vendido a mais de R$ 400. Esse valor se refere ao animal inteiro, com casca, patas, antenas, cabeça e vísceras. Nos restaurantes, pratos com só um camarão podem custar R$ 180 ou mais.

Ele impressiona. Graúdo, ostenta uma carapaça de coloração vermelha-viva. O sabor, me disseram, é uma coisa doida.

"Tem um gosto forte de camarão, mas para o lado bom", diz Rodrigo Nojiri, da Kampomarino, distribuidora do carabineiro em São Paulo. Comentário pertinente, pois já fomos apresentados ao gosto forte de camarão para o lado ruim.

Rodrigo diz que a textura da carne do carabineiro é agradável quando crua —coisa rara nos camarões. E é consenso, entre chefs, que o mais gostoso está na cabeça do bicho.

O conteúdo da cabeça é conhecido gastronomicamente pelo termo "coral", um eufemismo: trata-se dos órgãos internos do crustáceo. Chupar cabeça de camarão, hábito difundido na Europa meridional, é algo malvisto no Brasil.

Assim, nossos cozinheiros se esforçam para dar uma aparência mais "Itaim" às entranhas. Enquanto em Portugal e na Espanha o carabineiro é desmembrado à mesa, pelo cliente, com as mãos, aqui esse é um trabalho de bastidor.

As vísceras são liquefeitas e, junto com o caldo extraído da casca, tornam-se um molho chamado bisque, rubro como o próprio carabineiro.

A baixa oferta do carabineiro, que justifica seu alto valor, não diz respeito ao tamanho da população do animal. O carabineiro é conhecido dos oceanógrafos e biólogos marinhos, que o descrevem como abundante nas costas do Sul e do Sudeste do Brasil.

Prato com camarão carabineiro, que é um dos tipos de camarão mais caros que existe, no restaurante Picchi, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo
Prato com camarão-carabineiro, que é um dos tipos de camarão mais caros que existe, no restaurante Picchi, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

A escassez se deve à dificuldade em pescá-lo. Ele habita o sopé do talude continental, em funduras que vão de 400 metros a mais de um quilômetro.

Está em atividade só uma embarcação brasileira capaz de içar os camarões à superfície em quantidade comercial: o Cordeiro de Deus, de Navegantes, em Santa Catarina.

O barco se afasta cem milhas do continente e navega ao longo da costa entre Florianópolis e Cabo Frio (RJ), com uma rede de arrasto no chão do oceano, a uma profundidade de 700 a 800 metros.

Uma viagem dura, em média, 30 dias. A embarcação não conta com nenhum recurso para localizar os camarões.

"Eu vou ter de mapear tudo para saber em que época e região tem mais pesca", diz Manoel Cordeiro, dono do barco (sacou o trocadilho?).

O prodígio real do Cordeiro de Deus é uma unidade fabril a bordo. Lá, os carabineiros são embalados e congelados, chegando à terra firme prontos para ser entregues aos clientes.

Apesar da euforia com o novo maná, os chefs ainda abordam o ingrediente com cautela. Pesquisam receitas que funcionem no aspecto gastronômico e, assaz importante, tenham aceitação. Se
um estoque encalha no freezer, o prejuízo é monstruoso.

Por isso, o carabineiro é oferecido de forma esporádica, como uma etapa de menu-degustação ou prato especial. Consultar de antemão o restaurante é condição impositiva para quem sai de casa na missão de comer a iguaria.

O carabineiro e eu, enfim, nos conhecemos pessoalmente no restaurante Picchi —um italiano no trecho lustroso da rua Oscar Freire. Lá, um exemplar é vendido a R$ 180 numa entrada que, quando disponível, o garçom oferece.

O chef Pier Paolo Picchi traz uma baixela com alguns camarões. A cor quase fere os olhos, mas o tamanho do bicho decepciona um tiquinho.

Depois de passar dias na internet atrás do carabineiro, eu não esperava nada menos do que um monstro das "Vinte Mil Léguas Submarinas".

Picchi afirma que o tamanho varia bastante. "Às vezes o melhor é o maior, outras vezes não." No dia de minha visita, tinham o porte de um camarão-rosa comum. Mas eram vermelhos, vermelhos.

A bióloga Cintia Miyaji, da consultoria de pescados Paiche, diz que a vermelhidão é um truque ilusionista dos camarões de grande profundidade, onde a luz não penetra.

"Os predadores são aqueles peixes que geram luz, e geralmente essa luz é verde ou azul", explica. "Se o bicho é vermelho, ele continua invisível."

Prato com camarão carabineiro, que é um dos tipos de camarão mais caros que existe, no restaurante Picchi, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo
Prato com camarão-carabineiro, que é um dos tipos de camarão mais caros que existe, no restaurante Picchi, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

No prato, o vermelho cria um efeito visual impactante. Picchi prepara uma bisque que vira molho do espaguete. As patinhas e antenas são fritas, e a cauda do camarão é servida crua sobre a massa. "Aproveitamos tudo do animal", conta o chef. O tempero é mínimo, para não interferir demais no sabor: azeite, um pouco de tomilho e umas raspinhas de limão-siciliano.

Começo a comer pelas perninhas fritas, não muito diferentes de outros camarões. Já a carne crua da cauda e a bisque têm um tchan todo especial. É um sabor marinho profundo, não dá para fugir do clichê. E delicado, sem aquele retrogosto de porão de traineira

Excelente, com um senão. De novo ela, a expectativa, me acompanhava no almoço.

Enquanto procurava quem servisse o carabineiro, passei uma semana fantasiando um manjar divino. Isso não existe, eu sei, mas tente convencer o cérebro de um glutão. Se estiver a fim, dois conselhos: diminua a expectativa e aumente o limite do cartão.


Onde provar em São Paulo
Como a oferta oscila muito, convém consultar os estabelecimentos

PARA COMER

Restaurante Picchi
R. Oscar Freire, 533, Jardim Paulista, região oeste. Tel.: (11) 3065-5560. Instagram @restaurantepicchi

Restaurante Koya88
R. Jesuíno Pascoal, 21, Vila Buarque, região central. Tel.: (11) 3384-6926. Instagram @koya88

Pub Keito
Av. Paulista, 854, Bela Vista, região central. Tel.: (11) 3145-1741. Instagram @pubkeito

Imakay
R. Urussuí, 330, Itaim Bibi, região oeste. Tel.: (11) 3078-7786. Instagram @imakaysaopaulo

PARA COMPRAR

Fish La Ruiz
Tel.: (11) 94340-1625. Instagram @fishlaruiz

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