Descrição de chapéu Folhajus

Dona da cachaça Maria Izabel briga na Justiça com vinícola de mesmo nome

Disputa entre alambiqueira de Paraty e quinta de Portugal se dá pelo direito de usar a marca no país

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São Paulo

Na cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, a fama da premiada cachaça Maria Izabel compete com a curiosidade que a sua criadora desperta. Aos 72 anos, Maria Izabel Gibrail Costa sai pouco do sítio onde construiu o alambique Paratycana, em 1996. Cabelos grisalhos presos numa longa trança que acentua os traços indígenas, ela é famosa por só andar descalça —sapatos, só em viagens e olhe lá.

Quem paga R$ 10 para visitar a propriedade e comprar cachaças premiadas, que custam até R$ 450 a garrafa de 700 ml, encontra uma produção artesanal, que não passa de 7.000 litros anuais —a destilação acontece só uma vez por ano. Todo o processo é conduzido pela própria Maria Izabel, da produção do fermento, a partir de uma receita antiga que ela diz vir de seus antepassados, aos rótulos que cola à mão.

Rótulos da cachaçaria Maria Izabel, em Paraty
Rótulos da cachaçaria Maria Izabel, de Paraty - Divulgação

Ela agora desperta outro tipo de falatório no mercado nacional de bebidas —sua cachaça está no meio de um imbróglio. O grupo pernambucano JCPM, dono de 11 shoppings no Nordeste, do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação e de uma vinícola portuguesa chamada Quinta Maria Izabel, briga na Justiça com a alambiqueira para usar nos rótulos de seus vinhos o mesmo nome que batiza a cachaça paratiense —Maria Izabel.

Tudo começou em 2013, quando o Inpi, instituto brasileiro de propriedade industrial, recebeu um pedido para registrar a marca Quinta Maria Izabel para um vinho produzido em Portugal, na região do Douro, vendido na Europa.

Em 2016, quase três anos após a abertura do pedido, o Inpi indeferiu o registro alegando "reprodução com acréscimo de marca anterior, passível de causar confusão ou associação entre os sinais".

Ou seja, o instituto entendeu que já havia uma marca parecida no segmento de bebidas alcoólicas —no caso, a cachaça Maria Izabel, o que impossibilitou o novo registro. A quinta do Grupo JCPM entrou com recurso, mas perdeu novamente em segunda instância. Tentou, então, um acordo com a alambiqueira.

Em julho de 2022, um representante da vinícola fez uma proposta em troca da convivência entre as marcas. Segundo Maria Izabel, a empresa ofereceu "até R$ 150 mil".

Não houve acordo. "São duas bebidas alcoólicas vendidas no mesmo setor, pode haver confusão", diz a produtora de cachaça. "Não tenho interesse em vender ou compartilhar minha marca, que está muito associada à minha pessoa."

Enquanto buscavam o acordo, os advogados da quinta tentaram anular o indeferimento da marca pelo Inpi junto à Justiça Federal. No processo, ao qual a Folha teve acesso, argumentam que não há chance de o consumidor fazer associação indevida entre o alambique e a vinícola porque, entre outros pontos, embalagens e logomarcas são diferentes. Afirmam ainda que vinhos e aguardentes são "produtos absolutamente distintos e inconfundíveis".

Maria Izabel, produtora da cachaça de mesmo nome
Maria Izabel, produtora da cachaça de mesmo nome - Isadora Brant/Folhapress

Em tempo. A venda dos vinhos da Quinta Maria Izabel está hoje liberada no país por força de uma liminar concedida pela 2ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro. Em nota, o Grupo JCPM, da Quinta Maria Izabel, confirmou à Folha que "foi iniciado um diálogo na tentativa de acordo de coexistência, algo comum entre empresas que não estejam atuando ou pretendam atuar com produtos iguais e, sobretudo, localizadas em mercados distintos".

O advogado Rodrigo Moraes, que representa a marca de cachaça, vê incoerência nesses argumentos. Professor de direito autoral e propriedade industrial da Universidade Federal da Bahia, ele cita outra disputa do setor de bebidas.

Em 2021, a cachaça mineira João Andante perdeu o direito ao uso da marca em ação movida pela Diageo, fabricante do uísque Johnnie Walker. O processo, que chegou ao Superior Tribunal de Justiça, levou sete anos e se encerrou quando o relator decidiu que "as embalagens não eram suficientes para a distinção dos produtos comercializados pelas partes (cachaça e uísque)".

Na ação, a Diageo foi representada pelo escritório Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira —que agora defende a Quinta Maria Izabel e argumenta o contrário.

"O mesmo escritório de advocacia [...] alegou que a marca de cachaça João Andante violava a marca de uísque Johnnie Walker, tendo em vista que cachaça e uísque pertencem à ‘mesmíssima classe’, encontrando-se no mesmo segmento mercadológico", diz Moraes, defensor da alambiqueira.

Por ora, o advogado tenta que a liminar seja derrubada, o que obrigaria a quinta a suspender as vendas do vinho no Brasil até que haja decisão definitiva no processo.

Se os recursos chegarem ao STJ, a disputa pode levar anos. Caso vença a ação, Maria Izabel, de Paraty, tem direito de exigir indenização. Se perder, terá de conviver com a marca Maria Izabel de Portugal e pagar custos processuais. O escritório Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira foi procurado duas vezes por email, mas não respondeu aos pedidos da reportagem.

Em nota, o grupo JCPM diz que "respeita todos os negócios existentes e, neste momento, apenas busca o seu direito de comercializar no Brasil o vinho produzido e já registrado na Europa, região que já reconheceu, através de algumas premiações, a qualidade e dedicação da equipe da QMI [Quinta Maria Izabel] na produção do vinho".

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