Aprendi mais com Palmirinha do que com Gordon Ramsay, diz Gero Fasano

Assim como Julia Child, culinarista ria dos seus erros e incentivava hábito de preparar refeições

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A televisão brasileira era outra quando Palmira Nery da Silva Onofre, a apresentadora Palmirinha, morta no domingo (7) aos 91 anos, apareceu na telinha pela primeira vez, em 1994. Na época, a TV aberta era a principal fonte de entretenimento doméstico —o primeiro canal a cabo entrou no ar em 1989.

Conhecida pelos salgados e doces que vendia para sustentar as filhas, aquela senhora de fala suave não entrou no estúdio do SBT para ensinar receitas, mas para contar a história de superação à apresentadora Sílvia Poppovic. A mesma história que, anos mais tarde, ela viria a registrar no livro "A Receita da Minha Vida", lançado pela editora Benvirá (176 págs.), em 2001.

Palmirinha ainda não sabia, mas o depoimento mudaria a sua vida —e a de gerações de telespectadores e cozinheiros, domésticos ou não.

Retrato da cozinheira Palmirinha, em sua casa
Retrato da cozinheira Palmirinha, em sua casa - Keiny Andrade/Folhapress

Pode ter sido por causa do sorriso espontâneo ou da cesta de empadinhas que levou para a equipe, e estimulou Poppovic a elogiar seus dotes culinários ano ar. O fato é que aquela despretensiosa passagem pelo estúdio rendeu um convite para que Palmirinha apresentasse um quadro semanal, dessa vez sobre suas receitas, no programa "Note e Anote", da TV Record, então apresentado por Ana Maria Braga.

Importante lembrar que, nos anos 1990, programas de receitas não tomavam conta da programação de canais inteiros, como hoje. O nome mais cintilante à época era o de Ofélia Anunciato (1924-1998), que apresentou "Cozinha Maravilhosa de Ofélia", na TV Bandeirantes, até 1998. O primeiro programa culinário do canal a cabo GNT, o "Diário do Olivier", do francês Olivier Anquier, só entraria no ar em 1999, um ano depois.

Da Record, Palmirinha foi para a TV Gazeta, onde ganhou um programa para chamar de seu: o "TV Culinária", que durou 11 anos. A produção era modesta. A própria apresentadora era quem cuidava de ingredientes e pratos, algo impensável para os padrões atuais da TV.

"Ela acordava muito cedo e, pessoalmente, fazia a várias unidades da receita, para mostrar cada etapa do preparo", lembra Elmo Francfort, ex-coordenador do Centro de Memória Gazeta e atual diretor do Museu Brasileiro de Rádio e Televisão (MBRTV). Foi lá que Palmirinha começou a virar grife com receitas que iam de coxinha e bolinho de chuchu a galinhada, carne com quiabo e escondidinho. Com elas, incentivou gerações a se interessar por cozinhar refeições em casa, ao invés de comprar o jantar congelado no mercado.

Um de seus fãs é o restaurateur Gero Fasano, à frente da grife de restaurantes e hotéis. "Vai me deixar uma imensa saudade. Aprendi muito mais com ela do que com o [chef e apresentador] Gordon Ramsay. Cozinhava com amor."

Nos anos seguintes, a "vovó mais querida do Brasil" teve programa na Fox Life, inaugurou um café com seu nome em São Paulo, deu entrevista no programa de Jô Soares (a quem presenteou com uma bandeja de bolinhos de bacalhau), cozinhou com Erick Jacquin no MasterChef Brasil e lançou livros, como "O Grande Livro da Palmirinha" (896 págs; ed. Alaúde).

Esteve no CQC, onde virou tema de deboche e, nem assim, perdeu o senso de humor. Em entrevista a Marília Gabriela, em 2012, disse que só entendeu o alcance de seus programas quando deixou a TV Gazeta. "Achei que seria esquecida", disse à época. A apresentação do "Programa da Palmirinha", no canal fechado Bem Simples/Fox Life, representou uma espécie de catarse pós-Gazeta. Mostrava a culinarista chegando à emissora em limusine, diante de fãs histéricos.

Só que seu sucesso nunca dependeu de apuro técnico, figurinos chiques ou cenários impecáveis. Com jeito de uma vovó que engole plurais e ri dos próprios erros e esquecimentos, a culinarista tratava a plateia por "amiguinhas" e conquistou uma fatia de público que se sentia representada por aquelas situações tão reais.

"Palmirinha não era uma personagem. Certa vez, perguntei a ela por que seus programas eram tão realistas. Ela respondeu: ‘porque eu sou uma dona de casa, não apresentadora de TV", afirma
Elmo Francfort.

De certa forma, Palmirinha tem um quê de Julia Child (1912–2004) à brasileira. Reconhecida como a inventora do formato dos programas de receitas atuais, a norte-americana também chegou ao primeiro estúdio como um azarão —tinha voz esganiçada, ensinava complicadas receitas francesas no país do hot-dog e nunca fazia questão de ocultar suas trapalhadas no preparo dos pratos, o que acontecia com frequência.

Foi justamente esse tom verdadeiro que pôs Child no olimpo da história da gastronomia e dos EUA. Sua cozinha, onde foram gravados os três últimos anos de seu programa de TV, foi remontada no National Museu of American History, em Washington.

A maior diferença entre as duas está no repertório. Enquanto Julia Child celebrizou-se com preparos sofisticados à francesa, Palmirinha passou ao largo da gourmetização. Gostava de um bom frango com polenta mole e soube, como poucos, conquistar o brasileiro pelo estômago. Como uma avó —com preparos eternizados e muitos netos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.