Seimaibuai. Essa talvez seja a palavra mais importante no complexo universo do saquê. Ela se refere ao índice de aproveitamento do arroz, o passo crucial para a produção dessa bebida alcoólica. Um grão mais polido resulta em sabores mais elegantes, de melhor qualidade. Esse e outros assuntos têm entrado nas rodas de conversa em torno da bebida fermentada japonesa, que vem ganhando mais força e adeptos no país.
O interesse por saquê aumenta na mesma medida em que crescem o número de importadoras, a oferta de rótulos e a qualidade. Dados do governo japonês apontam que, de 2020 para cá, a importação de saquê no Brasil vem subindo cerca de 20% ao ano, podendo ultrapassar 250 mil litros até o fim de 2023.
Para o restaurateur e especialista Eduardo Preciado, do restaurante carioca Minimok, a qualidade do que tem chegado às prateleiras é o que mais chama atenção. "O cuidado por parte de alguns importadores, com utilização de contêineres refrigerados em todo o percurso, seleção de rótulos de pequenos produtores no Japão, ajudou bastante", afirma.
A sommelière Yasmin Yonashiro, dos paulistanos Jojo Ramen, Goya e Makoto, vê mudanças também no comportamento dos clientes, que hoje pedem mais saquê japonês e se interessam mais em entender o que estão tomando. Em 2014, diz, as pessoas tendiam a pedir produtos mais secos ou mais comuns.
A tecnologia também deu uma mão. Hoje é possível se sentar ao balcão e provar saquês de diferentes categorias (e valores) em taça, sem precisar consumir toda a garrafa. Isso porque lugares como o sushibar carioca Haru, passaram a investir em máquinas Enomatic, antes usadas só em vinhos: com sistema de preservação à base de nitrogênio, elas permitem que um produto premium possa ser degustado como se a garrafa tivesse acabado de ser aberta.
"Foi a forma de incentivar o interesse por garrafas mais caras", diz o proprietário Menandro Rodrigues.
Dos 30 rótulos que se revezam na engenhoca no Haru, o destaque vai para o Dassai 23 (cuja garrafa sai por R$ 1.368), o mesmo que o então primeiro-ministro japonês Shinzo Abe serviu ao ex-presidente americano Barack Obama.
Como as importações estão aumentando, as lojas de varejo se proliferaram e mais fábricas de saquê estão de olho no Brasil. Hoje já são 13 em território nacional, todas em São Paulo. Paradoxalmente, à medida que a popularidade do saquê aumenta em outros lugares, ela diminui no Japão. A população está envelhecendo, as pessoas estão bebendo menos em geral.
O brasileiro está aprendendo a tomar saquê, e o governo japonês tem incentivado muita a difusão no Brasil do washoku, que é como é conhecida a culinária tradicional do país asiático, por meio de cursos e eventos disponíveis principalmente em São Paulo (na Japan House, por exemplo), mas também no Rio de Janeiro.
De acordo com a empresa de consultoria JTB Tourism Research and Consulting, que rastreia o turismo no Japão, uma outra razão para o aumento do consumo de saquê no país, tem a ver com o número de brasileiros visitando o Japão, na casa dos 70 mil em parâmetros pré-Covid. Muitos desses viajantes voltam para casa com maior interesse em cultura, comida e saquê japoneses.
Com tamanha procura, vale falar ainda sobre o que caracteriza um saquê de qualidade.
Em sua base, a bebida milenar leva arroz, água, fermento e koji, um molde de arroz também usado para fazer molho de soja, que quebra os amidos do arroz em açúcares fermentáveis, assim como se faz com o malte na produção de cerveja.
Flocos de ouro, designações, tipo de arroz e até a água utilizada para fermentar são fatores que podem levar o preço da garrafa a passar de R$ 20 mil.
Na base da pirâmide dos saquês considerados premium estão os junmai e os honjozo, as duas grandes categorias —o que os diferencia é a adição de álcool nesses últimos. Um daiginjo é um saquê superpremium —os da marca Hokusetsu, uma das mais tradicionais do Japão, usam 30% do grão do yamadanishiki, tido como o melhor arroz do mundo, para o preparo. Aqui, ele é coado em sacos com uma técnica chamada shizuku e armazenado em garrafas de titânio.
De tão versátil, o consumo do saquê vai bem não só com sushi. "A harmonização segue aqueles preceitos de paridade de sabores ou contraste. Ele é bem mais condescendente que o vinho, ou seja, é mais difícil de errar com ele. Tanto é que no Japão nem se fala em harmonização", afirma Preciado, do Minimok.
Mas não é recomendável ser displicente na combinação.
"Um daiginjo muito leve e elegante pode ‘morrer’ com um prato de sabores muito intensos, por exemplo. O ‘junmai daiginjo’ é superdelicado e morreria se combinado com wagyu [raça de gado japonês com alto teor de gordura]", afirma Tsuyoshi Murakami, do restaurante Murakami.
Manual de etiqueta do saquê
- Fuja de sal ou flor de sal na borda do copo
- Copo de madeira, daqueles quadrados, também não valem —no Japão, eles são usados em cerimônias fúnebres; o saquê deve ser tomado em copinhos de cerâmica, vidro fino ou taça de cristal
- Na hora de servir, segure a garrafa com as duas mãos e, se for receber a bebida, faça o mesmo, com as duas mãos no copo
- Não é educado tomar o saquê de um só gole nem servir a si próprio
- A bebida tem de vir do Japão de navio refrigerada para manter o frescor
- Depois de aberta a garrafa, a vida útil da bebida é de 30 dias
- Saquê aquecido funciona e é ideal para harmonizar com comidas gordurosas
Vocabulário
- Daiginjo: categoria superpremium de saquê, caracterizada por ser mais leve e delicada
- Junmai: sem adição de álcool destilado, ele deixa a bebida com mais corpo e cremosidade (um teste para ver a sua qualidade consiste em girar a taça e ver a formação de lágrimas)
- Honjozo: refrescante, tem aroma discreto e 10% de adição de álcool destilado
- Nigorizake: bebida não filtrada de textura leitosa, tem sabor doce e intenso
- Namazake: o mais fresco de todos, não é pasteurizado e portanto precisa ser mantido em constante refrigeração
- Seimaibuai: índice de aproveitamento do arroz na bebida; quanto maior, melhor a sua qualidade
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.