Longe das metas, Doria deixa cargo 1.000 dias antes do fim do mandato 

Tucano dará lugar a Bruno Covas sem zerar fila da creche e com zeladoria falha

Doria vestido de gari, ainda no início do mandato, para mostrar dedicação à zeladoria
Doria vestido de gari, ainda no início do mandato, para mostrar dedicação à zeladoria - Ronny Santos - 07.jan.2017/ Folhapress
São Paulo

Após 15 meses no cargo e seguidas promessas de que permaneceria até 31 de dezembro de 2020, o prefeito João Doria (PSDB), 60, deixará a Prefeitura de São Paulo nesta sexta (6) com mil dias de mandato em aberto e distante de suas principais promessas.

Em reunião fechada com seus secretários, Doria entregará as chaves de seu gabinete, no 5º andar do edifício Matarazzo, no centro, para seu vice, Bruno Covas (PSDB), 37.

Eleito no primeiro turno com 53,29% dos votos válidos, o tucano sai agora da prefeitura para disputar a eleição ao governo do estado.

Os 460 dias de gestão Doria foram intensos, mas nem todos eles dedicados à cidade. Foram dias de agendas lotadas, reuniões, visitas a bairros do centro e da periferia, mas também de viagens pelo país para engatar um projeto presidencial que acabou frustrado e ajudou a derrubar sua popularidade nas pesquisas.

Já as principais promessas ficarão agora nas mãos de Bruno Covas, como a de emplacar uma série de concessões e privatizações de equipamentos públicos.

Até agora, nenhuma delas se efetivou. As vendas do autódromo de Interlagos e do complexo do Anhembi seguem travadas pelos vereadores, e a concessão dos cemitérios aguarda há seis meses liberação do TCM (Tribunal de Contas do Município).

Já os editais de parques e mercados, por exemplo, estão em fases mais adiantadas.

Na área da educação, por exemplo, Doria não alcançou sua principal meta, a de zerar a fila para creches em um ano.

Essa promessa depois foi ajustada para 65 mil vagas até março, mas só 27,5 mil foram criadas. Nessa área, no entanto, Doria conseguiu alguns avanços, como a criação do currículo municipal, o fim da fila da pré-escola e a revisão do programa Leve Leite.

ZELADORIA

O prefeito culpa a herança de problemas financeiros dos cofres municipais e algumas questões burocráticas pelas promessas não cumpridas em sua gestão (leia abaixo).

Uma das principais críticas que o tucano fazia à gestão anterior, de Fernando Haddad (PT), era em relação à zeladoria. Ele chegou a chamar a cidade de “lixo vivo”. Ao assumir o cargo, vestiu-se de gari e apostou suas fichas na aparência da capital. Mas o plano não decolou, com ruas esburacadas, semáforos apagados e praças descuidadas. 

O prefeito então trocou parte da equipe e mirou no recapeamento de vias, que ganhou espaço em propagandas pagas da prefeitura. O orçamento do programa Asfalto Novo, de R$ 550 milhões, é mais do que a expectativa de investimentos nas áreas de saúde ou educação neste ano.

Nesses 15 meses, Doria teve êxito com o fim da fila para parte dos exames médicos por meio do programa Corujão. O Carnaval de rua cresceu e ficou mais bem organizado.

A cidade passou também a ter mais agilidade na abertura de empresas virtualmente (em até 5 dias, contra um prazo médio anterior de 126 dias) e na digitalização de procedimentos municipais, reduzindo custos com papel (hoje 75% dos processos são autuados virtualmente e a expectativa é de 100% até setembro).

impulso

A impulsividade foi uma marca de Doria nesses 15 meses. O episódio da farinata foi o mais notório. Sem consultar secretários, anunciou a ideia de distribuir o granulado alimentar a famílias pobres.

Diante da repercussão negativa, convocou uma entrevista para consertar o anúncio anterior, mas se complicou ainda mais ao sugerir a farinha na merenda das escolas e para a população carente. Teve de recuar de novo e abandonar a proposta.

Doria em diferentes momentos foi acusado de agir em benefício próprio, como no uso do símbolo do programa Cidade Linda (o que motivou ação judicial da Promotoria) e quando decretou que seria beneficiado com segurança pessoal paga pela prefeitura mesmo após deixar o cargo (medida da qual recuou após repercussão negativa).

Um dos pontos mais sensíveis foi a cracolândia. Em maio do ano passado, foi surpreendido por ação policial do governo Geraldo Alckmin (PSDB) que prendeu traficantes e desobstruiu vias no centro que estavam sob domínio de uma facção criminosa.

Com isso, o plano municipal para a área teve de ser antecipado às pressas, o que provocou uma dispersão de usuários. O fluxo de viciados concentrados num único lugar da região central caiu, mas o problema segue em diferentes pontos da cidade.

Por meio de doações de empresários, Doria abriu novos espaços para abrigar moradores de rua. Em sua maioria, são imóveis adaptados por meio de obras custeadas por empresas para receber quartos coletivos, banheiros, cozinha, lavanderia e espaços de convivência. Alguns foram inaugurados incompletos e às pressas nos últimos meses.

Outro programa voltado à população de rua, o Trabalho Novo, se apoiou na parceria com a iniciativa privada para criar vagas de emprego para sem-teto. Até dezembro, 1.600 vagas haviam sido criadas —a meta inicial era de 20 mil vagas no primeiro ano de gestão.

A tentativa de viabilizar melhorias públicas por meio de empresas foi valorizada pela gestão. Doria passou a pedir doações a empresários de diferentes setores, de banheiro químico para ruas a motos para a fiscalização do trânsito.

Mas nem tudo vingou ou foi feito de forma transparente. Algumas doações prometidas não se concretizaram, e outras só foram registradas após anúncios do prefeito.

HERANÇA E OBRA

A gestão João Doria (PSDB) culpa dificuldades financeiras e obras inacabadas da gestão Fernando Haddad (PT) por problemas em construção de CEUs, hospitais e corredores de ônibus e pelas críticas feitas à zeladoria.

A prefeitura destaca entre as melhorias dos últimos 15 meses a ampliação do Carnaval de rua, a digitalização dos processos, a diminuição no tempo de abertura de empresas e da fila para exames de saúde.

Ela afirma que, devido ao programa Corujão da Saúde, há atualmente menos de 93 mil pedidos e 144 mil vagas livres para agendamento.

O prefeito diz que, na raiz dos obstáculos para obras de mobilidade, saúde e educação, está um déficit de R$ 7,5 bilhões que teria sido deixado por Haddad. 

A administração petista nega esse buraco. Cita relatório do Tribunal de Contas que apontou haver mais de R$ 5 bilhões em caixa (embora a maioria da verba já estivesse comprometida, restando R$ 305,7 milhões de recursos livres).

“Dentre as receitas superestimadas [pela gestão Haddad] estavam transferências de recursos do governo federal para corredores de ônibus. A gestão passada já sabia que tais verbas não seriam repassadas, mas mesmo assim as contabilizou como receita destinada a obras”, afirma a gestão Doria.

O tucano, em nota, cita ainda “as obras de 12 CEUs e 32 creches/pré-escolas paradas e sem orçamento previsto no início de 2017”. “Sem recursos, os CEUs não puderam ser retomados em 2017, mas está pronto um plano para retomar os trabalhos”, afirma.

A respeito dos problemas nos semáforos, Doria aponta a suspensão de licitações pelo TCM como obstáculo.

Em relação ao descumprimento da meta de zerar a fila da creche, a gestão diz que foram criadas 27,5 mil vagas, “um recorde histórico” —faltaram 37,5 mil.

Sobre as críticas à zeladoria, a prefeitura cita estatísticas que, segundo ela, indicariam melhora dos serviços. A gestão diz que as podas aumentaram de 90 mil para 98 mil e os serviços de tapa-buraco, de 193 mil para 215 mil.

Sobre privatizações, Doria destaca que seis dos oito projetos foram aprovados na Câmara. Além disso, diz que três editais de concessão foram publicados em 2018: o do mercado de Santo Amaro, o de parques e o do Pacaembu.

Diante da alta de mortes nas marginais Tietê e Pinheiros após aumento dos limites de velocidade pelo prefeito, a gestão diz que até agora não ficou demonstrada a relação entre esses fatores.

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