Samarco, Vale e BHP assinam acordo para incluir vítimas em ação de reparação

Tratado com Ministério Público Federal será encaminhado para homologação na Justiça de MG

Subdistrito de Bento Rodrigues, afetado por rompimento da barragem
Subdistrito de Bento Rodrigues, afetado por rompimento da barragem - Rogério Alves/TV Senado
Carolina Linhares
Belo Horizonte

O Ministério Público Federal e diversos órgãos públicos assinaram nesta segunda-feira (25) com as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton um novo acordo para que os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, participem das decisões sobre os programas de recuperação hoje implementados pela Fundação Renova.

O TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) estabelece que os atingidos façam parte diretamente das instâncias que atuam como negociadoras, consultoras e validadoras das ações da Renova, além de integrarem os próprios conselhos da fundação. Eles terão ajuda de assessorias técnicas independentes, mas pagas pela Renova. ​

“Criou-se um instrumento de organização dos atingidos no campo que contará com assistências técnicas para que eles tenham o poder de reivindicar, de questionar e de apresentar propostas de mudanças nos programas”, disse o procurador do Ministério Público Federal José Adércio.

O acordo prevê ainda que especialistas sejam pagos pela Samarco para assessorar o Ministério Público no acompanhamento dos programas da Fundação Renova, que incluem indenizações, reconstrução das comunidades atingidas e restauração do meio ambiente, por exemplo.

Segundo os procuradores, as perícias independentes darão a garantia de que as mineradoras não interferem na reparação e a dimensão dos danos provocados, algo que até hoje não foi medido. Já foram contratados quatro peritos.

O acordo determina também que as mineradoras deverão pagar pelo serviço de fiscalizar a Renova feito pelos órgão públicos.

A partir dessa avaliação independente de especialistas e da participação dos atingidos, os programas de recuperação implementados atualmente devem ser renegociados e revistos num novo e definitivo acordo. O prazo para isso é de até dois anos.

“Se dará quando nós tivermos esses documentos técnicos que nos deem a baliza de quantificação do dano, de quais medidas devem mudar e, ao mesmo tempo, nós tivermos o tempo necessário para a organização em campo dos atingidos, para que possam fazer valer sua vontade”, diz Adércio.

Na prática, é uma revisão do termo assinado em março de 2016 entre as mineradoras e os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo, sem a participação do Ministério Público. O acordo, que criou a Fundação Renova e seus 42 programas de reparação, até hoje não havia sido homologado pela Justiça. A fundação é financiada pelas mineradoras.

Em paralelo, os procuradores do Ministério Público negociavam havia dois anos um acordo mais amplo, com as duas premissas: a participação dos atingidos na gestão dos programas da Renova e a existência de perícia independente sobre essas ações. ​

Após cinco prorrogações, vencia nesta segunda o prazo para que esse acordo fosse firmado. Agora, o acerto será submetido à homologação pela 12ª Vara de Justiça Federal de Minas Gerais. 

O novo TAC suspende, mas não extingue, uma ação civil de R$ 155 bilhões movida pelo Ministério Público contra as mineradoras. Ele exingue, porém, uma ação de R$ 20 bilhões movida pela União e que já havia sido suspensa pelo acordo de 2016.

Se for alcançado em até dois anos, o terceiro e definitivo acordo pode extinguir a ação de R$ 155 milhões, restando apenas poucos pontos não cobertos pelo pacto.

“Este TAC é um termo intermediário para que se criem as condições para que possamos aperfeiçoar os 42 programas previstos anteriormente”, diz Adércio. Os objetivos são dar efetividade e legitimidade às ações da Renova que muitas vezes não funcionam em campo.

Os atingidos poderão negociar adaptações dos programas segundo suas realidades locais. Suas principais reclamações, segundo os procuradores, são de que as soluções da Renova partem de cima para baixo e de que há uma desigualdade de negociação entre eles e as mineradoras.

O acordo cria três instâncias (Comissões Locais, Câmaras Regionais e Fórum de Observadores) para que haja negociação direta dos atingidos com a Renova, sempre auxiliados por suas assessorias técnicas.

“A reparação integral vai partir da necessidade dos atingidos. Será um processo mais complexo e mais longo, mas é um preço que a gente paga para que as pessoas sejam devidamente indenizadas. Se você sofreu um dano, você quer ser ouvido. Não quer que uma pessoa de cima fale qual que é o seu dano e o que você tem direito”, diz André Sperling, promotor do Ministério Público de Minas.

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Também assinaram o TAC os Ministérios Públicos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Defensoria Pública da União, as Defensorias Públicas de Minas Gerais e do Espírito Santo, o governo de Minas Gerais e do Espírito Santo e a Advocacia-Geral da União. 

O rompimento da barragem da Samarco, em novembro de 2015, matou 19 pessoas e espalhou rejeito de minério por 650 km de rios, até a foz do Rio Doce no Espírito Santo.

O acordo desta segunda não suspende a ação criminal sobre o caso. No total, 22 pessoas são rés no processo (21 delas sob acusação de homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar) e quatro empresas ---as mineradoras e a consultoria VogBR, que apresentou laudo de estabilidade da barragem. Todos negam ter cometido crimes.

AVANÇO

O acordo foi definido como um avanço tanto pelos órgãos públicos como pelos diretores-presidentes das mineradoras. Rodrigo Vilela, da Samarco, e Fabio Schvartsman, da Vale, afirmaram que o acerto representa consenso e convergência para melhorar as ações de reparação.

Segundo o presidente da Fundação Renova, Roberto Waack, levará cerca de três meses para que os atingidos escolhidos pelas comunidades passem a integrar de fato os conselhos.

Ali, como os demais membros, eles terão poder de voto, mas não são capazes de formar maioria. Waack afirma que, em geral, as decisões são tomadas a partir de consenso entre os conselheiros.

“O direito a voto é muito importante, mas acima disso é a participação no processo decisório, que seja uma construção conjunta. Eles participarão na identificação dos problemas, no desenho de soluções, na implementação e no monitoramento”, diz.

Waack afirma ainda que a fundação sempre buscou a participação formal dos atingidos. “Estamos muito felizes com a possibilidade de aumentar a legitimidade da própria fundação e a qualidade das decisões.”

O advogado-geral de Minas Gerais, Onofre Batista, que participou do primeiro acordo fechado em 2016, disse que o primeiro acerto foi “emergencial e urgente para cobrir necessidades imediatas”.

“Fico feliz de ver que foi melhorado, com poder de interferência dos atingidos direcionando o que é melhor para eles, afastando aquela decisão governamental encapsulada.”


O que determina o novo acordo

​​Termo de Ajustamento de Conduta foi assinado entre mineradoras e entes públicos

1. Participação dos atingidos

> Na Fundação Renova: poderão votar nos conselhos

- Dois membros no Conselho de Curadores, que hoje é formado por indicados pelas mineradoras e aprova os projetos da fundação

- Sete membros no Conselho Consultivo, que hoje é formado por 17 pessoas e opina sobre os projetos da fundação

- Conselho Consultivo também terá dois membros de organizações não governamentais, dois de entidades de direitos humanos e três de instituições acadêmicas

> No seu território

- 19 comissões locais com assessoria técnica independente

- Ao menos seis Câmaras Regionais, fóruns de discussão e interlocução com a Fundação Renova

- Fórum de Observadores, órgão consultivo de críticas e sugestões às ações da Renova com representantes da sociedade civil e atingidos

> No Comitê Interfederativo:

- Três atingidos no comitê, que é composto por entes públicos e dá diretrizes para as ações da Renova

- Dois atingidos nas Câmaras Técnicas, que auxiliam o comitê e também terão membros do Ministério Público e da Defensoria Pública

2. Contratação de peritos

Especialistas pegos pela Samarco ajudarão o Ministério Público a avaliar os programas de recuperação da Fundação Renova e a dimensionar os danos da tragédia

3. Revisão de acordo anterior

Em até dois anos, após o trabalho dos peritos e a organização da participação dos atingidos, pode ser celebrado um novo e definitivo acordo que revise os programas de reparação da Fundação Renova estabelecidos no termo de 2016

4. Ações civis

- Extingue ação de R$ 20 bilhões movida pela União contra as mineradoras

- Suspende ação de R$ 155 bilhões movida pelo Ministério Público contra as mineradoras. Essa ação pode ser extinta quase na totalidade se, em dois anos, houver um acordo sobre a revisão dos programas de reparação

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