Cemitérios de árvores caídas transformam problema de São Paulo em adubo

Exemplares que morrem são enviados para pátios de compostagem da prefeitura em São Paulo

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São Paulo

Todos diziam que a tipuana da r. Itacolomi, em São Paulo, era uma idosa que passava dos 60 anos. Árvore de porte avantajado, com copa frondosa e raízes agressivas, ajudou a construir a paisagem urbana da capital paulista.

Plantada em Higienópolis, bairro nobre do centro, saiu de cena “sangrando”. Abatida pelo vento forte e pela chuva pesada, a árvore seguiu a mesma sina de outras 660 que foram derrubadas pela tempestade entre segunda (25) e terça-feira (26) na Grande São Paulo, segundo o Corpo de Bombeiros.

Vinicius Torres Freire, colunista da Folha, registrou em uma foto o “sangramento” da árvore ao longo do trabalho de remoção feito pelos técnicos da prefeitura. “Eu nunca tinha visto algo como aquilo”, disse.

Tipuana 'sangra' durante corte após cair em tempestade na rua Itacolomi, em SP
Tipuana 'sangra' durante corte após cair em tempestade na rua Itacolomi, em SP - Vinícius Torres Freire/Folhapress

O colunista conta que a árvore tombou no final da tarde de terça. “Ela foi se inclinando aos poucos até encostar na marquise do meu prédio. Mas não machucou ninguém”, relata.

Já com a estrutura condenada, foi desmembrada com serra elétrica. A cada novo corte, um líquido espesso de vermelho intenso escorria pelas sobras dos troncos. O trabalho de remoção só foi concluído na manhã desta quinta-feira (28).

O “sangramento” foi postado nas redes sociais e causou comoção. “Ela chora a própria morte”, escreveu um internauta. Outra moradora de Higienópolis disse que passava perto da árvore todos os dias. “Tão triste! O bairro se desfaz.”

Para Dionete Santin, especialista aposentada na área de biologia vegetal da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), não há nada de místico no fenômeno. “A tipuana tem uma seiva muito avermelhada. Durante o corte, os vasos da planta vão sendo liberados para expulsar todo tipo de líquido que estava ali dentro. É como um cano que esguicha água”, explica.

Com uma altura de quatro andares e copa de 15 m de diâmetro, a tipuana reduzida em pedaços encheu a caçamba de um caminhão e seguiu para um dos cinco endereços para onde são levadas as árvores que morrem na capital paulista.

Tudo o que sobra da poda e da remoção de árvores (galhos, troncos e folhas) em São Paulo é reaproveitado nos cinco pátios de compostagem da prefeitura. O procedimento é o mesmo para árvores sadias ou em mau estado. Outra parte dos resíduos florestais é destinada aos aterros.

A compostagem é uma técnica em que fungos e bactérias degradam a matéria orgânica e a transformam em húmus, um material rico em nutrientes usado na fertilização do solo.

Os locais de compostagem ficam na Lapa (zona oeste), na Sé (centro), em Ermelino Matarazzo (zona leste), na Mooca (zona leste) e em São Mateus (zona leste). O adubo produzido na compostagem é usado em parques, praças e viveiros geridos pela prefeitura.

O pátio de compostagem da Sé, inaugurado em setembro de 2018, também recebe restos de frutas, verduras e legumes de 32 feiras livres de bairros da região como Bela Vista, Liberdade e Santa Cecília. Na primeira produção deste ano, o espaço deve gerar 25 toneladas de adubo natural.

A Folha procurou a Secretaria de Subprefeituras para entrar em um dos pátios de compostagem da capital, mas, até esta publicação, não obteve resposta.

FALTA DE CUIDADOS

Reportagem da Folha mostrou que a gestão de Bruno Covas (PSDB) diminuiu o cuidado com as árvores da cidade e o serviço de poda teve queda de quase 10% em 2018. De acordo com dados fornecidos via Lei de Acesso à Informação, a prefeitura podou 89,6 mil árvores no último ano. Em 2017, foram 98,3 mil, quase 9.000 árvores a menos. 

O número de remoções de árvores permaneceu estável, em 11,6 mil, na comparação entre 2017 e 2018. No entanto, também há tendência de queda, uma vez que, em 2016, houve 14.868 remoções. 

O plantio de novas árvores também caiu no último ano, segundo dados da Secretaria de Subprefeituras. Passaram de 7.010 para 5.527.

À Folha, a gestão Bruno Covas (PSDB) disse que mantém nas ruas 69 engenheiros agrônomos para vistoriar e emitir laudos para supressão, poda e plantio de vegetação arbórea nos passeios públicos. A prefeitura também disse que recebeu 51 mil pedidos da população relacionados a árvores em 2018 e que fez no mesmo ano 33 mil plantios.

Segundo a Secretaria de Subprefeituras de São Paulo, o melhor a se fazer quando uma árvore cai é removê-la. “A mesma fica impossibilitada de ser replantada, considerando que as raízes de absorção [responsáveis pelo envio dos nutrientes] e de sustentação sofrem ferimentos”, diz a nota da pasta. 

Para Dionete Santin, da Unicamp, a cidade está pagando, agora, uma conta bem alta pela falta de planejamento urbano do passado. “O que estamos vendo é que essas árvores, muitas delas velhas, estão caindo porque não deveriam ter sido plantadas onde estão. Árvores de grande porte como a tipuana devem ficar em canteiros e rotatórias, nunca em calçadas”.

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