Descrição de chapéu Tragédia em Brumadinho

Pagamento de salário pela Vale altera rotina e comércio em Brumadinho

Prefeitura teme impacto de fim da verba, em um ano, e quer oferecer curso de educação financeira

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Brumadinho (MG)

A verba emergencial a ser paga pela Vale por um ano a moradores de Brumadinho causou euforia e impacto no comércio da cidade que, em janeiro, viveu a tragédia do rompimento de uma barragem. A lama deixou 246 mortos e 24 pessoas ainda desaparecidas.

Há, porém, temor de famílias e da prefeitura em relação aos efeitos da circulação do dinheiro do subsídio e também das consequências quando ele terminar, daqui a um ano.

O dinheiro extra de R$ 2.000 recebido pela vendedora Pathiele Ferreira, 24, e pelo marido serviu para eles comprarem uma TV e vai para a construção de uma casa. 

A cunhada dela, Cinthia Ferreira Chagas, 31, mudou-se com os cinco filhos para uma casa com espaço maior e comprou celular e um guarda-roupas novo com os cerca de R$ 2.500 mensais extras. Desempregada, com o marido preso, ela vivia com a renda do Bolsa Família e de alguns bicos eventuais.

A mãe de Cinthia, Maria da Conceição Ferreira Chagas, 52, comprou eletrodoméstico e quer trocar o piso e pintar a casa onde vive com o marido e dois filhos.

Juntos, recebem cerca de R$ 3.500, os quais complementam a renda do marido, que trabalha na prefeitura e faz bicos de pedreiro. “Queria que essa ajuda ficasse por mais tempo”, diz Maria. O filho dela comprou um carro.

Os Ferreira são parte de um retrato de como a decisão judicial que determinou o pagamento emergencial por um ano aos moradores da cidade, devido ao rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão, gerou impacto no comércio local.

Há quem tenha perdido o emprego por causa da tragédia e agora só conte com o salário mínimo pago pela mineradora para sobreviver. 

Giani Chagas, 38, trabalhava como terceirizada lavando roupas para a pousada Nova Estância. O local, simbólico na tragédia, foi engolido pela lama, e ela se viu sem renda de um dia para o outro. 

O momento de euforia financeira para parte da população deixou a prefeitura em alerta. A gestão local planeja oferecer cursos de educação financeira para a população. 

“Nossa grande preocupação é com a questão social de como eles ficarão sem o auxílio depois. Vamos ter um cenário que ainda não sabemos onde pode chegar. Dentro desse auxílio da Vale, temos desde pessoas que não precisam até pessoas enquadradas dentro da vulnerabilidade social”, diz a secretária municipal e Desenvolvimento Social, Christiane Passos. 

A Vale deve manter o pagamento emergencial a toda a população do município e a moradores que viviam perto do rio Paraopeba, em cidades que foram afetadas pela lama do rompimento da barragem da empresa.

Os pagamentos começaram a ser realizados em março, mas ainda há cadastros sendo feitos. Cada adulto tem direito a receber um salário mínimo por mês (R$ 998) durante um ano, a contar desde janeiro.
Adolescentes recebem a metade (R$ 499) e crianças, um quarto do valor (R$ 249,50). 

Com cerca de 40 mil habitantes, Brumadinho tinha PIB per capita de R$ 40.099,77 ao ano, de acordo com o IBGE, com dados de 2016. O salário médio mensal de trabalhadores formais girava na média de 2,4 salários mínimos, e 33,5% da população tinha rendimento per capita de meio salário mínimo por mês. 

De acordo com a mineradora, mais de 79 mil moradores de 17 municípios já estão recebendo os pagamentos e 103 mil pessoas se cadastraram nos postos de registro de indenização emergencial. Dos pagamentos, 47 mil são para moradores de Brumadinho. 

Nas lojas da avenida Vigilato Braga, a principal de comércio da cidade, os relatos, de salão de beleza a lojas de móveis são de que os clientes agora só compram à vista, no débito. Em uma loja de celular, o faturamento diário triplicou. O mesmo ocorre em uma das lojas de roupas. 

Uma agência de viagens do centro da cidade também registrou aumento da procura desde abril, para destinos como Caldas Novas e Cabo Frio. 

“Começou a aumentar mesmo quando o pessoal começou a receber o dinheiro da Vale”, diz a vendedora Danielly Cristina de Oliveira, 24. 

Sem trabalhar há mais de dois anos, depois de sofrer dois infartos e um AVC, o pedreiro João Batista Pereira, 50, diz que o pagamento é hoje sua única fonte de renda. Ele usa o valor para recuperar a casa que foi destruída por um temporal cinco dias depois do rompimento da barragem. 

“O que está ajudando é esse dinheiro”, conta ele. “Mas aquele sossego, aquela tranquilidade que tínhamos antes, não existe mais. Acabou”. 

Vizinho dele, o também pedreiro José Custódio Sabino, 62, aproveitou os R$ 5.000 que recebeu em parcela única e deu entrada em um carro. 

Antes, ele dependia de carona para trabalhar. Os outros R$ 3.500 que faltam para completar o valor do veículo ele pagará em parcelas. 

O dinheiro da esposa dele, Valéria da Silva Hilário, 30, e dos dois filhos, de 9 e 13 anos, foi usado para pagar o aluguel e contas atrasadas e comprar um fogão novo, uma televisão, estante para a sala. Ela conta, porém, que está com dificuldade para conseguir emprego. 

“Ajudou demais. Força de vontade para trabalhar eu tenho, mas a maioria dos empregos que está aparecendo são vagas para homens.”

Em alguns estabelecimentos, há registros de funcionários que pediram demissão por causa do pagamento e de alguns que usaram o dinheiro para começar o próprio negócio. 

Mesmo com oferta de empregos, no posto do Ministério do Trabalho os moradores de Brumadinho são minoria.  Das sete pessoas que esperavam para fazer ficha para 20 vagas de motorista e 20 vagas de operadores de máquinas, dois disseram à reportagem serem de Brumadinho. Três eram cearenses que chegaram à cidade com a esperança de encontrar um trabalho temporário. 

Para a maioria das pessoas ouvidas pela reportagem, o que vai acontecer quando o prazo do pagamento terminar e os empregos cessarem é a maior preocupação. 


Dono de uma mercearia no Parque da Cachoeira, um dos locais mais afetados pela tragédia, Adilson Charles Ramos, 45, conta que as vendas caíram 80%. Ele teve que fechar o depósito e mandar um dos dois funcionários embora. A clientela mais forte, pessoas que alugavam sítios na região nos fins de semana, sumiu. “Estou me mantendo com esse emergencial. A hora que acabar vou ter que ver. Só Deus sabe o que vai ser.”

O impacto que o pagamento pode ter em beneficiários do Bolsa Família e do BPC (Benefício de Prestação Continuada) também preocupa. Segundo a secretária, o Ministério da Cidadania enviou comunicado alertando que o dinheiro da Vale pode tirar pessoas dos critérios dos programas. 

À Folha, a pasta disse que houve pagamento de R$ 600, em parcela única, em abril, a 1.585 famílias da cidade que recebem o auxílio. O ministério afirma que nenhuma família de Brumadinho será afetada por cortes e que medida provisória tramita para permitir o acúmulo de auxílios por vítimas de catástrofes.

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