Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Militar acusa vítima de ter atirado para justificar fuzilamento no Rio

Carro que levava família foi atingido por mais de 80 tiros em abril; duas pessoas morreram

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Gabriel Sabóia
Rio de Janeiro | UOL

O tenente Ítalo Nunes, comandante da patrulha de militares acusados da morte do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador Luciano Macedo, afirmou em depoimento à Justiça Militar que Macedo estava armado no momento em que foram realizados mais de 80 disparos em direção ao carro onde estava a família. "O vi ao lado do Ford Ka [dirigido por Evaldo] atirando em nossa direção", disse Nunes para justificar os tiros.

Nenhuma arma foi, no entanto, encontrada com o catador durante a perícia criminal realizada na região. O tenente foi o primeiro dos 12 militares que serão ouvidos pela Justiça Militar —nove deles respondem pelo duplo assassinato.

Carro atingido por disparos em Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro, em que morreu Evaldo dos Santos
Carro atingido por disparos em Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro, em que morreu Evaldo dos Santos - José Lucena - 7.abr.19/Futura Press/Folhapress

Eles dispararam ao todo 257 tiros durante a ocorrência em Guadalupe, zona norte do Rio, dos quais 83 atingiram o veículo em que Evaldo e a família estavam. Luciano, que prestava socorro às vítimas, também foi atingido pelos disparos e morreu dias depois de internado.

Em seu relato —que durou mais de três horas—, Nunes incriminou o catador de materiais recicláveis. De acordo com ele, Luciano foi visto pelos militares, momentos antes das mortes, assaltando um veículo. Porém, quando questionado sobre a inexistência de armamento no local do crime, o militar afirmou acreditar que uma pistola tenha sido levada de volta para o interior da favela do Muquiço por uma das pessoas que estavam no veículo.

"Nas imagens feitas posteriormente de cima, é possível ver uma das ocupantes do carro olhando para o chão, procurando algo. As imagens não mostram arma no chão, mas essa postura é suspeita. Se ela estava olhando para baixo, certamente sabia que encontraria algo. Possivelmente um armamento", afirmou.

Em seu depoimento, o tenente também afirmou que a patrulha estava abalada porque, horas antes do crime, havia trocado tiros com traficantes da região. O militar completou o depoimento dizendo não acreditar que Luciano era mesmo catador.

Em depoimento à Justiça Militar, em abril, Sérgio Gonçalves de Araújo, sogro do músico e também baleado no carro fuzilado pelos militares, relatou que o catador estava tentando socorrer Evaldo quando foi baleado pelos militares.

De acordo com ele, que estava no banco do carona, os militares dispararam rajadas contra o carro da família em dois momentos. No primeiro, Evaldo desmaiou assim que foi baleado e caiu sobre seu ombro. O sogro, então, conseguiu conduzir o carro, que entrou em ponto morto, e pará-lo.

Vendo que os tiros tinham parado, os demais ocupantes —a mulher de Evaldo, o filho do casal, de sete anos, e a amiga Michele da Silva Leite Neves— deixaram o veículo e gritaram por ajuda. Nesse momento, Macedo foi socorrer Evaldo. O catador tentou abrir a porta do motorista, que estava trancada.

"Minha filha desesperada fora do carro começou a gritar. Nisso veio um rapaz que eu nem conheço [Macedo], morador dali mesmo. Só vi quando ele passou na frente do carro e veio na porta para ajudar", disse. "Na segunda sessão de tiros, eu estava tentando destravar a porta. Aí que começou", relembrou Araújo, que se escondeu entre o banco e o painel do carro na hora dos tiros, mas foi baleado nas costas e no glúteo.

Os depoimentos dos militares foram adiados por duas vezes —esta é a primeira vez que eles falam publicamente sobre o crime. Em agosto, o depoimento já havia sido adiado, após a constatação de que a
Polícia Militar não enviou para prestar depoimento, conforme solicitado pela defesa dos réus, PMs que chegaram ao local logo depois dos disparos em uma viatura Ford Ranger. Em setembro, a Justiça Militar decidiu adiar de novo o depoimento dos 12 militares envolvidos nos crimes ocorridos em 7 de abril.

A estratégia da defesa dos militares ao pedir o adiamento do interrogatório se baseou no fato de eles responderem em liberdade pelos assassinatos de Evaldo e Luciano. Em maio, por 11 votos a 3, os ministros do STM (Superior Tribunal Militar) decidiram conceder liberdade aos militares envolvidos na ação.

Eles haviam sido denunciados pelo MPM (Ministério Público Militar) na Justiça Militar. Os nove militares são réus pelos crimes de duplo homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificado e por não terem prestado socorro às vítimas.

Em depoimento à Justiça Militar, as viúvas de Evaldo e Macedo disseram que os militares envolvidos na ação que matou seus maridos "debocharam" dos pedidos de socorro.

Evaldo dirigia um Ford Ka Sedan branco, rumo a um chá de bebê, e transportava a mulher, um filho, o sogro e uma adolescente. Ao passar por uma patrulha do Exército na Estrada do Camboatá, em Guadalupe, o veículo foi alvejado por militares.

O motorista morreu no local. O sogro ficou ferido, mas sobreviveu. O catador Luciano Macedo, que passava a pé pelo local, também foi atingido e morreu 11 dias depois de internado.

Inicialmente o Comando Militar do Leste emitiu nota dizendo que a ação era resposta a um assalto e sugeriu que os militares haviam sido alvo de uma agressão por parte dos ocupantes do carro.

A família contestou a versão e só então o Exército recuou e mandou prender 10 dos 12 militares envolvidos na ação. Um deles foi solto após alegar que não fez nenhum disparo. Os militares teriam confundido o carro do músico com o de criminosos que, minutos antes, havia praticado um assalto perto dali.

Foram presos o tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, o sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva e os soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vítor Borges de Oliveira. Todos atuam no 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar, na zona oeste do Rio.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.