Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Sem promessa cumprida de Witzel, Rio de Janeiro tem aumento de tiroteios

Moradores criticam cartilha proposta por governador e pedem redução dos confrontos

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São Paulo

Sem que o governador Wilson Witzel (PSC) tire do papel o plano para reduzir riscos aos moradores das favela durante operações policiais, o Rio já é palco de mais confrontos no início deste ano. Janeiro quebrou uma sequência, que vinha desde julho de 2019, de diminuição no número de tiroteios no estado.

Em um mês, quatro crianças, entre 5 e 11 anos, foram baleadas. Uma delas, Anna Carolina Neves, 8, foi atingida por uma bala perdida na cabeça no sofá de casa e morreu. O ano passado terminou com seis crianças mortas durante incursões da polícia nas comunidades fluminenses.

O aplicativo Onde Tem Tiroteio (OTT) registrou um recrudescimento dos confrontos no estado. Foram 357 tiroteios no primeiro mês do ano de 2020. Em comparação com o último mês de 2019, quando o aplicativo registrou 323 tiroteios, houve um crescimento de 10,52%. 

Quem lidera o ranking são os bairros da zona oeste Cidade de Deus e Vila Kennedy, seguidos pelos da zona norte Complexo do Alemão e Manguinhos. Fora da capital, a cidade mais violenta é Belford Roxo, na Baixada Fluminense, seguida por São Gonçalo, na região metropolitana, e pela litorânea Angra dos Reis. 

Para tentar responder às críticas sobre a área que é sua bandeira eleitoral e pode ser um trunfo na corrida de 2022, Witzel anunciou em setembro que criaria uma cartilha com instruções a quem vive nas regiões mais violentas sobre como agir quando começarem os tiros. O objetivo é, segundo o governador, reduzir os riscos de morte de inocentes por balas perdidas.

Um exemplo citado foi de um vídeo, gravado por PMs, que circulou nas redes sociais. As imagens mostram dois homens em uma moto enquanto o da garupa carrega um pedestal de microfone. O agente que grava avisa que o equipamento poderia ser facilmente confundido com um fuzil e, portanto, não deveria ser carregado em motos ou bicicletas na favela.

"Nego diz que morre à toa. Olha só o que parece que ele tá na mão. Na Vila Vintém, saindo da favela. Olha o que parece. O que parece que ele tá na mão?", disse o policial. Em seguida, ele liga a sirene e manda a dupla encostar.

"O que tá na mão aí, cara? Olha o que ele tá na mão, saindo da favela. Depois ele morre e a culpa é da polícia", diz. O homem, que carrega o artefato, responde: "É um pedestal de microfone", e pede desculpa aos agentes.

O lançamento do material estava previsto para o fim de 2019 e, logo após, o governador prometeu intensificar o confronto com criminosos. Desde a campanha eleitoral, Witzel defende a política de abate de criminosos que portam fuzis. 

"Estamos criando um plano de segurança para a redução de danos e orientação à população. Ele vai ser lançado este ano ainda. É quando vamos intensificar o confronto com criminosos. Na Segunda Guerra, no combate ao nazismo, os ingleses iam para debaixo da terra ao toque da sirene, para que os bombardeios não atingissem a população. Poucos ingleses morreram em razão disso", disse Witzel poucos dias antes da morte de Ágatha Félix, 8, baleada nas costas dentro de uma kombi, no Complexo do Alemão, quando voltava de um passeio com a mãe.

Mas, até agora, nada da cartilha, que, em tese, daria início a simulações das situações de risco em favelas. Segundo o governo, o plano segue sendo elaborado, sem previsão de ser divulgado. 

Outra promessa que ainda não virou realidade foi a de alocar policiais em escolas que ficam nas comunidades para orientar alunos e professores durante as operações. No Rio, em média, mil alunos deixam de ir à escola todos os dias por conta da violência.

O chamado Plano de Segurança e Defesa Social está sendo elaborado pelas secretarias da Polícia Militar, Polícia Civil, Administração Penitenciária e Defesa Civil. O texto deve ser submetido à Assembleia Legislativa do Rio para aprovação e, só então, a cartilha seria divulgada.

Moradores, no entanto, criticam a criação do protocolo. "É problemático porque o Estado reconhece que é um Estado de guerra e tem que preparar as pessoas para a guerra. O papel do governador deveria ser de garantir que os confrontos não acontecessem", afirma a assistente social Lidiane Malanquini, coordenadora na Redes da Maré, ONG do maior conjunto de favelas do Rio.

Quem vive nas comunidades já elabora estratégias para se proteger dos tiros. Um exemplo são os grupos de WhatsApp criados exclusivamente para avisos sobre a chegada da polícia e denúncias de violações em tempo real. As mensagens costumam ser repercutidas por organizações sociais e líderes comunitários nas redes sociais, que também fazer o trabalho de mediar conflitos. 

Quando as primeiras balas cortam o céu, escolas, hospitais e o comércio são fechados. As pessoas deixam de fazer as atividades cotidianas —faltam no trabalho, perdem prova. 

"Nós damos um curso de formação sobre qual segurança pública a gente quer, na perspectiva de garantir direitos. Não de aceitar que os confrontos sejam naturais. É uma lógica inversa", diz Malanquini. "A gente precisa de uma polícia que se aproxime dos moradores, não uma que aumenta a sensação de insegurança."

Adolescentes da Maré que fazem parte do projeto Uerê rebateram o governador e elaboraram uma espécie de cartilha para a PM em dias de operação.

Entre 17 itens estão respeitar o ir e vir da população, não permitir que casas sejam invadidas sem mandado, evitar operações no horário de entrada e saída das escolas, não xingar nem bater nos moradores e não atirar aleatoriamente de helicópteros.

O Rio de Janeiro registrou no ano passado a menor taxa de homicídios dolosos desde 1991: 23,2 por 100 mil habitantes. Mas ao mesmo tempo cresceu a letalidade policial. Foram 1.810 mortes provocadas pela polícia, o maior número da série histórica para esse registro, iniciada em 1998. 

Os dois movimentos fizeram com que as mortes provocadas pela polícia do Rio representassem quase um terço (30,3%) de todas as mortes violentas no estado. É a maior proporção já registrada na história.​

 
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