Mortes: Livreira clássica, teve fregueses como Drummond e Guimarães Rosa

Vanna Piraccini, da Livraria Leonardo da Vinci, ajudou a formar gerações de intelectuais no Rio

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São Paulo

Localizada no subsolo de um edifício modernista no centro do Rio de Janeiro, a Livraria Leonardo da Vinci foi refúgio do poeta Carlos Drummond de Andrade e inspirou sua obra. "A loja subterrânea/ expõe os seus tesouros/ como se os defendesse/ de fomes apressadas", escreveu ele no poema "Livraria", dedicado ao espaço.

Entre os tesouros estava Vanna Piraccini, fundadora da livraria ao lado do marido, Andrei Duchiade. A livreira, conhecida como dona Vanna, morreu no domingo (9), aos 95 anos, após uma trajetória dedicada ao conhecimento.

Mulher de cabelos brancos posa para a foto com uma das mãos no rosto
A livreira Vanna Piraccini, fundadora da livraria Leonardo da Vinci, no Rio - Reprodução/Facebook

A história da livraria considerada patrimônio cultural do Rio começou em 1952 no edifício Delamare, na avenida Presidente Vargas. A Da Vinci foi transferida para o endereço que a consagrou em 1956 e está lá até hoje, administrada por outro proprietário.

Filha de mãe romena e pai italiano, Vanna nasceu na Bolonha, cresceu na Romênia e morou em Roma, Paris e Londres. Chegou ao Brasil na década de 1950 para viver ao lado do advogado romeno Duchiade, que aqui já trabalhava na livraria de um primo.

Os dois decidiram ter o próprio negócio e fundaram o espaço que ficou conhecido durante décadas como a melhor da cidade com suas estantes repletas de obras nacionais e importadas. O nome de Leonardo Da Vinci foi escolhido porque Vanna pregava o renascimento do homem e do saber.

Ela era conhecida por escolher pessoalmente os livros que venderia e por debater literatura com os frequentadores. A lista inclui também Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Golbery do Couto e Silva, Glauber Rocha, Roberto Campos, Raymundo Faoro, Ferreira Gullar, Edgar Morin e Antônio Cícero.

"Seu papel como livreira durante décadas, responsável pela formação de gerações de brasileiros na melhor tradição literária e científica produzida mundialmente, foi mais do que notável em um período carente de traduções e de forte repressão política", disse, em nota, a direção atual da livraria Da Vinci.

São conhecidas as situações em que chegava a abrir mão do lucro para que os fregueses não deixassem de ter acesso a alguma obra de interesse. Emprestava livros e marcava as dívidas em contas numeradas quando era preciso.

"Ela contribuiu muito para fortalecer a imagem do Rio como capital cultural do país", afirmou o prefeito Eduardo Paes (PSD). "Em nome dos cariocas, agradeço muito o que ela fez pela cidade".

Vanna conhecia os gostos de seus fregueses habituais, importava livros para atender pedidos e ligava pessoalmente para avisar sobre a chegada de encomendas.

Drummond trabalhava no Ministério da Educação, a poucas quadras de distância, e tinha uma poltrona preferida, nos fundos da loja. Além de discutir sobre literatura, gostava de tomar café com rum e liderou um movimento de intelectuais para salvar a Da Vinci quando o lugar foi destruído por um incêndio, em 1973.

Não foi a única vez em que Vanna precisou mostrar a sua coragem. Durante a ditadura militar (1964-1985), a livreira lidou com agentes da repressão que recolhiam obras "suspeitas". Além disso, ela ficou viúva aos 39 anos, com dois filhos pequenos e reergueu a livraria após a morte do marido.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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