PM paulista tem setembro menos letal de série histórica, com 15 mortes

Menor marca de óbitos em ações policiais desde 1994 é atribuída por especialistas a fatores como uso de câmeras e apoio psicológico

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São Paulo

A Polícia Militar de São Paulo registrou 15 mortes decorrentes de intervenção policial no mês passado, as chamadas MDIPs, o que representa o setembro menos letal da corporação desde 1994, início da série histórica do estado, conforme dados inéditos obtidos pela Folha.

Ainda de acordo com as estatísticas oficiais, essa quantidade representa uma redução de 25% em relação às 20 mortes decorrentes de confrontos ocorridas no mesmo período do ano passado, e atinge impressionantes 76,2% de queda diante às 63 mortes de setembro de 2004.

Carro da Polícia Militar preserva local onde suspeito de arrastão foi baleado por policial na Vila Prudente, em agosto de 2019 - Rivaldo Gomes - 20.ago.2019/Folhapress

Essa nova queda é atribuída à política de redução de letalidade da PM intensificada desde 2020, ainda no governo João Doria (PSDB), com a compra de armas menos letais, como as tasers de eletrochoque, e a implantação do programa de câmeras acopladas à farda do PM, o "Olho Vivo".

"A redução da letalidade é o nosso grande objetivo", disse, em setembro daquele ano, o então comandante-geral da PM, coronel Fernando Alencar Medeiros, em nota enviado à reportagem, ao falar da série de medidas a serem adotadas para tentar reduzir mortes em confrontos.

Embora considerado exitoso, o programa corre risco de ser extinto ou modificado, já que sofre constantes ataques do candidato ao governo paulista pelo Republicanos, Tarcísio de Freitas, líder das pesquisas de intenção de voto. Inicialmente o bolsonarista prometeu a retirada de todas as câmeras e, agora, diz que vai reavaliar o programa com especialistas.

"Eu considero que hoje a câmera inibe o policial, tem atrapalhado a produtividade, mas isso é uma percepção. O que a gente vai fazer se eleito? Chamar as forças de segurança e avaliar do ponto de vista técnico a efetividade ou não e o aperfeiçoamento da política pública", disse o candidato em evento em quartel da PM na capital, na semana passada.

Ainda conforme os dados obtidos pela reportagem, no acumulado do ano, a redução da letalidade policial chega a 48% em comparação a 2021 e 68% em comparação a 2020. Em números absolutos, neste ano são 180 mortes, contra 344 do ano passado, e 560 de dois anos atrás, sempre comparando o acumulado de janeiro a setembro.

Com as reduções acumuladas até setembro, 2022 chega a uma média mensal de 20 mortes decorrentes de intervenção.

O mês com menor letalidade da série histórica foi fevereiro de 1996, com nove mortes. O mais letal foi maio de 2006, ano dos ataques da facção PCC às forças de segurança paulistas: foram 137 mortes.

Outra informação obtida a partir dos dados oficiais é a quantidade de policiais miliares mortos em serviço em 2022. Entre janeiro a setembro deste ano, três PMs morreram durante o serviço, mas apenas um deles foi vítima de homicídio doloso, segundo a corporação.

Foi o caso do soldado Thiago Nonato Cabrioti, 33, morto em junho deste ano em São Sebastião, no litoral paulista, após se envolver em troca de tiros. As circunstâncias do crime ainda estão sendo analisadas até porque o PM trabalhava em unidade que não usa câmeras.

As outras duas mortes não envolvem homicídio doloso. Elas ocorreram em serviço, mas, em outras circunstâncias, como acidente de trânsito.

São Paulo registrou no ano passado o menor número de PMs mortos em serviço desde que esses dados passaram a ser contabilizados, há 31 anos. Em todo o estado, quatro policiais morreram durante o trabalho no ano passado —três deles em acidentes de trânsito com viaturas.

A PM tem atualmente um contingente de cerca de 83 mil agentes.

De acordo com a PM, a redução da letalidade consolidada após o uso das câmeras não significa apenas que os policiais deixaram de matar suspeitos já rendidos porque estavam sendo vigiados pelas câmeras.

A vigilância também ajuda, segundo a corporação, na redução de confrontos porque o PM tende a cumprir com mais rigor as regras de abordagens previstas nos manuais internos. Ao não se colocar em risco desnecessário, por exemplo, reduz a necessidade de atirar.

Além disso, os próprios infratores ficam inibidos de atacar os policiais quando percebem que estão sendo filmados. Isso acontece nas ocorrências mais comuns do dia a dia do policial, como casos de violência doméstica e ou perturbação de sossego.

Porém, para a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, não é correto atribuir toda a redução da letalidade ou vitimização policial exclusivamente ao uso de câmeras corporais.

"A redução sustentada da letalidade se deve a um conjunto de medidas precedido, contudo, de uma decisão política do comandante-geral da PM e também do governador, obviamente, de adotar ações para reduzir essa letalidade", afirmou ela.

Ela destaca, entre elas, a Comissão de Mitigação de Não Conformidades, grupos existentes nos batalhões regionais (CPA/CPI) que se reúne todas as vezes que uso da força letal é efetivado, para discutir se aquela ação foi correta ou não, se outras medidas poderiam ser adotadas naquelas circunstâncias.

"Só essa discussão já dá um recado para a tropa que o uso da força não é banal, que vai ser discutido. Só isso tem um impacto, faz pensar sobre o uso da força", disse a pesquisadora.

Investigações céleres, concretizadas com punições quando necessárias, além do apoio psicológico e uso das armas menos letais são outros fatores que ajudam.

Conforme dados da PM obtidos pelo instituto, até março deste ano, em 82% das imagens analisadas pelos superiores não foram encontrados problemas nas ações dos policiais. Em 14%, houve orientação verbal para aprimoramento, por condutas menos graves.

Em apenas 1% dos casos analisados houve indicação de infração disciplinar e 1% de necessidade de retreinamento. "Em 3% houve elogios para a tropa. Claro que não é um percentual ainda tão alto, mas vai mostrando que essa é fonte de um olhar dos comandos sobre a polícia que gera, inclusive, um reconhecimento do bom trabalho do próprio policial."

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