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desafios do novo mandato

Lula terá que colocar a educação básica nos trilhos

Ausência de projetos estruturantes e redução de orçamento são alguns dos problemas nessa área

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Alexandre Schneider

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumirá em janeiro de 2023 seu terceiro mandato com o enorme desafio de colocar a educação básica brasileira nos trilhos, o que envolve lidar com o legado do governo que se encerra e com a agenda não conclusa do século passado.

A atual gestão se aproxima do fim tendo como marcos a ausência de projetos estruturantes; a redução do orçamento da área; a corrosão dos critérios técnicos de transferência de recursos aos municípios em favor do uso político de verbas públicas; a omissão do Ministério da Educação (MEC) durante a pandemia; a ausência de articulação entre o MEC, os estados e os municípios; e o fascínio por pautas diversionistas como a ideologia de gênero e a educação domiciliar.

Protesto de universitários contra cortes de verbas do Ministério da Educação, em outubro de 2022 - Bruno Santos - 18.out.2022/Folhapress

O presidente e a futura equipe do MEC terão que se preocupar rapidamente em recompor o orçamento da pasta, identificar as necessidades de reorganização da estrutura e apontar um novo modelo de governança, que integre os estados e municípios, responsáveis pela execução das políticas educacionais, a representação dos profissionais da educação, as organizações da sociedade civil e as fundações privadas.

Ainda como medida inicial é fundamental que o governo federal lidere uma campanha nacional de busca ativa das crianças e jovens que estão fora da escola, apoiando iniciativas de estados e municípios.

Todos os estudantes na escola, no ano adequado à sua idade, aprendendo. A tarefa do século passado estava incompleta até mesmo antes da pandemia. Em 2019 menos da metade das crianças de 0 a 3 anos estava matriculada em creches, a pré-escola não havia sido universalizada, mais de 6 milhões de estudantes do ensino fundamental e médio estavam dois ou mais anos atrasados.

Pretos e pardos compunham a maioria dos estudantes com trajetória educacional irregular, ou entre aqueles com desempenho educacional mais baixo.

A escola pública brasileira, a despeito de muitos avanços nas décadas de 1990, 2000 e 2010, ainda não é capaz de garantir o direito de todos de aprender. Cerca de 25% da população nem sequer chega ao ensino médio e entre os que concluíram esta etapa de ensino em 2019, apenas 7% tinha o conhecimento adequado em matemática.

Até mesmo em estados considerados modelo, como é o caso de Pernambuco, só 7% dos alunos encerram o ensino médio com a aprendizagem adequada em matemática.

Saldar a nossa dívida educacional exige uma série de políticas, mas gostaria de jogar luz em algumas.

A primeira é retomar o Programa Pró-Infância, em que o MEC apoia a construção de creches e pré-escolas pelos municípios. Como contrapartida, deveria ser exigida a adoção de políticas integradas de primeira infância pelos municípios, cuidando da saúde, da segurança alimentar e de outros direitos das crianças pequenas e de suas famílias.

A segunda seria, como já propus no início do ano, a adoção de um programa de transferência de renda vinculado à trajetória escolar, iniciado no último ano do ensino fundamental e ao qual o estudante só teria direito quando concluísse o ensino médio.

A ideia não é nova, foi adotada pelo então governador do Distrito Federal Cristovam Buarque há mais de 20 anos, com o nome de Poupança Escola.

O MEC deveria apoiar o fortalecimento das estruturas de formação continuada dos estados e municípios, induzir a adoção de programas formativos dos educadores focados em sua área de ensino e no desenvolvimento de suas competências de avaliação, organização do currículo em ação e à oferta de devolutivas que apoiem a aprendizagem contínua dos estudantes.

As desigualdades educacionais se materializam na sala de aula. E é nela, com professores bem formados e valorizados salarial e socialmente que poderão ser reduzidas.

Será necessário um olhar atento —em conjunto com os estados e municípios— para os anos finais do ensino fundamental. Os resultados das avaliações indicam uma desaceleração da aprendizagem dos estudantes a partir desta etapa.

Em estudo recente com dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), os pesquisadores Eric Hanushek, Ludger Woessmann e Sarah Just concluíram que 66% dos estudantes de 15 anos não possuíam as habilidades básicas de leitura, matemática e ciências. Nosso desempenho está abaixo do de Cuba (26%), Chile (46%), Uruguai (50%), Costa Rica (58%), Peru (60%), Colômbia (63%) e Argentina (63%).

Por fim, é preciso realizar um levantamento de dois programas de expansão recente, os do denominado "novo ensino médio", criado por medida provisória durante o governo Temer e os modelos de educação em tempo integral. O MEC precisa mapear o atual "estado da arte" do ensino médio do país e verificar se os itinerários de formação propostos estão sendo oferecidos, se há professores suficientes, especialmente nas regiões mais vulneráveis.

Isso vale para a educação integral. Com o diagnóstico em mãos, caberá ao ministério, sempre em colaboração com os estados, propor eventuais alterações e apoiar as melhorias que se fizerem necessárias.

Lula pode ser o presidente do ensino básico. Para isso, ele e sua equipe deverão ser capazes de responder afirmativamente a três questões ao final de sua gestão: todos em idade escolar estão na escola? Estão no ano escolar correspondente ao seu ano? Estão apreendendo o que se espera? Torço para que as respostas sejam sim.

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