Menina que engravidou após estupro dá à luz no Piauí

Foi a segunda gestação da garota depois de sofrer violência sexual; aborto legal foi negado pelo TJ

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Teresina

A garota de 12 anos, que engravidou pela segunda vez após estupro e que teve o aborto legal negado no Piauí, deu à luz nesta segunda-feira (27) na maternidade Dona Evangelina Rosa, em Teresina. A bebê nasceu com nove meses completos de gestação e será entregue para adoção.

A vítima ficou grávida pela primeira vez após ser violentada aos dez anos por um primo de 25 anos em um matagal na zona rural da capital piauiense e seguiu com a gestação após a mãe negar o aborto. Um ano depois, novamente, após sucessivos abusos, ela engravidou e teve o segundo bebê.

detalhe de mão de mãe segurando mão de bebê com chupeta no pescoço
Menina então com 11 anos, em 2022, com o primeiro filho, após ter sido estuprada; ela engravidou após nova violência e teve o segundo filho nesta segunda-feira (23) - Renato Andrade-23.jun.22/Folhapress

Um exame de DNA solicitado pela Polícia Civil do Piauí concluiu que a menina foi estuprada pelo tio, que foi preso juntamente com um vizinho, acusado também da violência.

O pai da menina disse que a filha deu à luz por volta das 10h50 de cesariana, que está na UTI e que a informação recebida é de que as duas estão bem. Em dois dias, a adolescente deve ter alta.

Procuradas, a Secretaria de Estado da Saúde e a maternidade Dona Evangelina Rosa afirmaram que não vão se manifestar, porque as informações sobre o caso estão sob segredo de Justiça.

O pais disse que pretende pedir a ajuda do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente para visitar a filha e a neta. Afirmou ainda que gostaria de conhecer a neta e que só concordou com a decisão de colocá-la para adoção por não ter condições financeiras de criar a criança.

A menina foi para a maternidade acompanhada de funcionárias do abrigo onde ela mora há cerca de oito meses.

A gravidez da menina envolveu decisões judiciais contraditórias. Em 1º de novembro do ano passado, a juíza Elfrida Costa Belleza, da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Teresina, autorizou a interrupção da gravidez.

Em 6 de dezembro, porém, o desembargador José James Gomes Pereira, da 2ª Câmara Especializada Civil do Tribunal de Justiça do Piauí, derrubou a liminar da juíza que autorizava o aborto legal e relatou que a família desejava entregar o recém-nascido para adoção.

A pedido da defensora do feto e da mãe da vítima, o desembargador Pereira deu a liminar com base na informação de que o pai e a menina mudaram de opinião e queriam a continuação da gravidez.

Primeira gestação

A menina tinha dez anos quando engravidou pela primeira vez, em janeiro de 2021. A mãe, uma dona de casa de 29 anos, não autorizou o aborto da filha e disse que o médico afirmara que ela correria risco de morte no procedimento.

A lei brasileira permite o aborto nos casos de estupro e risco de morte para a gestante, e uma decisão da Justiça estendeu o aval para casos de anencefalia do feto. Considera-se estupro presumido os casos de relação sexual de vítimas menores de 14 anos.

Menina de 11 anos que seguiu com a gestação após estupro, com o filho em sua casa, em Teresina - Renato Andrade/Folhapress

A menina prosseguiu com a gestação e deu à luz em setembro de 2021. O primo que a teria estuprado foi assassinado pouco tempo depois por motivos que a família diz desconhecer.

Desde que o filho nasceu, a menina abandonou a escola e se tornou uma criança calada que pouco saía de casa. Ela se negou a ter tratamento psicológico e vivia um conflito com os pais, que são separados.

O primeiro filho dela, de pouco mais de um ano, está sendo cuidado pelo avô. A menina também estava morando com o pai, mas passou a viver em um abrigo em Teresina.

Em Santa Catarina

Em junho de 2022, outro caso ganhou repercussão nacional. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e a Corregedoria-Geral da Justiça do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) apuravam a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que teria induzido uma menina de 11 anos a desistir do aborto legal, conforme revelou reportagem do site The Intercept Brasil.

Após ter sido comunicado sobre a situação da criança, o Conselho Tutelar a encaminhou ao Hospital Universitário de Florianópolis para realização do aborto. A equipe médica do hospital, porém, se recusou a realizar o procedimento porque a gestação já passava de 22 semanas.

Embora o Código Penal preveja que não pode ser punido o aborto realizado no caso de gravidez resultante de estupro ou quando a vida da gestante está em risco, a lei não estipula um limite de semanas para que o procedimento seja realizado nessas situações.

Norma técnica do Ministério da Saúde diz, porém, que não há indicação para interrupção da gravidez após 22 semanas de idade gestacional. À época, o Ministério Público de Santa Catarina afirmou que, após ter tomado conhecimento do caso da menina, entrou com uma ação pedindo autorização judicial para a interrupção da gravidez e com uma medida protetiva de acolhimento provisório.

O tribunal acolheu o pedido do órgão e, em maio, a criança foi levada para um abrigo. A Promotoria afirmou que o requerimento foi feito com o objetivo de proteger a menina de possíveis novos abusos.

Segundo a reportagem feita em colaboração com o portal Catarinas, no entanto, na autorização da medida protetiva a juíza comparou a proteção da saúde da menina à proteção do feto. "Situação que deve ser avaliada como forma não só de protegê-la, mas de proteger o bebê em gestação, se houver viabilidade de vida extrauterina", escreveu.

Na decisão, ainda de acordo com o site, a juíza disse que os riscos eram inerentes a uma gestação naquela idade e que não havia, naquele momento, risco de morte materna.

Em audiência no dia 9 de maio, de acordo com a reportagem, a juíza e a promotora Mirela Dutra Alberton propuseram que a menina mantivesse a gravidez por mais "uma ou duas semanas", para aumentar a chance de sobrevida do feto.

A Corregedoria Nacional do Ministério Público e a Corregedoria do Ministério Público de Santa Catarina informaram que instauraram reclamações disciplinares para apurar a conduta da promotora.

Zimmer foi promovida no dia 15 de maio e transferida da Comarca de Tijucas para a de Brusque. Assim, não atua mais no caso da menina. Questionada sobre sua fala na audiência, a promotora Alberton declarou ao Intercept que a fez "no sentido de esclarecimento sobre as consequências do procedimento de interrupção da gravidez, já que o avançado estado da gravidez viabilizava a vida extrauterina".

Erramos: o texto foi alterado

O texto faz referência a duas menores de idade, uma de 12 anos do Piauí e outra de 11 anos de Santa Catarina. Um erro de edição fez parecer que se tratava de um mesmo caso. O texto foi corrigido.
 

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