Quando Henrique Autran Dourado chegou a Tatuí, no interior paulista, em 2008, para muitos moradores ele não era bem-vindo. Dourado chegava para dirigir o Conservatório de Tatuí, maior escola de música clássica da América Latina, com o estigma de alguém que vinha da capital, substituindo um tatuiano que acabara de ser dispensado, e incumbido de uma reforma administrativa que provavelmente resultaria em mais demissões.
A fria recepção não o deixou preocupado. Ele havia se mudado com seus dois filhos mais novos, Isabela e Pedro, e estava ali para ficar. Ficou dez anos no cargo de diretor e conheceu a cidade como poucos.
Henrique nasceu em Belo Horizonte, um dos quatro filhos do escritor mineiro Autran Dourado —vencedor dos maiores prêmios da língua portuguesa, autor de "Ópera dos Mortos" e "A Barca dos Homens", entre muitos outros. Estudou no Conservatório de Música de New England e no Berklee College entre as décadas de 1970 e 1980, nos Estados Unidos.
Voltou ao Brasil com a proposta de tocar como contrabaixista na Osesp (Orquestra Sinfônica de São Paulo) sob direção do maestro Eleazar de Carvalho, um convite irrecusável. Em 2022, receberia a medalha com o nome do antigo mestre, laureada pela Ordem dos Músicos do Brasil.
No fim da década de 1980, tornou-se professor na USP (Universidade de São Paulo) e conciliava as aulas com o cargo de diretor da Escola de Música de São Paulo, que integra o complexo do Theatro Municipal. Na USP, fez mestrado e doutorado.
Dourado se mudou para Tatuí durante o governo de José Serra (PSDB). O plano era passar a gestão da escola para o modelo de OS (organização social). Os mais de 200 músicos teriam de passar por uma avaliação para serem admitidos como celetistas. A desconfiança era tanta que, pouco tempo depois de ele assumir o cargo, uma proposta para lhe dar o título de cidadão tatuiano chegou a ser recusada na Câmara Municipal.
Segundo a jornalista Deise Voigt, gerente de comunicação do conservatório à época, o receio acabou se provando infundado. A escola não perdeu vagas à época e Dourado foi fundamental para que o conservatório ganhasse um segundo prédio. Ele acabou recebendo moções de aplausos dos vereadores nos anos seguintes.
Em uma ida ao barbeiro, o diretor conheceu o cururu, ritmo caipira ultrarregional que envolve batalhas de trova entre violeiros. Criou um festival para o ritmo, levando ao teatro músicos que nunca haviam pisado ali.
"Nunca ouvi o Henrique gritar. Até em momentos em que havia problemas, nunca vi ele sair do sério, ser deselegante", contou Voigt.
Ele morreu por causa de problemas cardíacos no dia 3 de junho, aos 70 anos, e foi enterrado em Tatuí. Dourado deixa os filhos Marta, Lucas, Isabela e Pedro, e os netos Thomas e Alice.
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