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Júri absolve PMs suspeitos de matar homem e simular ataque ao quartel da Rota

Decisão atendeu pedido do Ministério Público, para quem havia dúvidas sobre culpa; advogada da família vai recorrer de decisão

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São Paulo

A Justiça de São Paulo absolveu na noite desta quinta-feira (24) dois policiais militares suspeitos de matar com um tiro pelas costas, em agosto de 2010, um dependente químico e simular um atentado contra o quartel da Rota (tropa de elite da PM), na av. Tiradentes, na zona central da capital.

Além dos argumentações de legítima defesa apresentadas pelos advogados dos PMs Jorge Inocênio Brunetto e Sidney João do Nascimento, a absolvição atendeu ao pedido do Ministério Público, para quem havia dúvidas sobre ter sido um assassinato.

"Não me importo se vão falar que o MP [Ministério Público] pediu a absolvição, condenação. É a minha livre consciência. Se eu tiver dúvida, eu vou pedir absolvição. Não quero ser responsável que duas pessoas, que não tive sequer segurança, cumpram pena numa penitenciária", disse o promotor Bruno Fernandes Barp, aos jurados.

Policiais da Rota em batalhão no centro de São Paulo - Eduardo Knapp - 14.set.22/Folhapress

Conforme a versão oficial, aceita pela maioria dos jurados, ex-detento Frank Ligieri Sons, 33, decidiu fazer, sozinho, algo que nem mesmo os criminosos do PCC, armados de fuzil, tiveram coragem em 2006 (ano marcado pelos ataques à forças de segurança): atacar o prédio da Rota.

Para isso, Sons levou uma pistola .40 e um suposto coquetel molotov. Quando atirava contra o quartel miliciano, em uma rua lateral, durante a madrugada, três PMs apareceram. O suspeito teria tentado atirar contra os três, mas acabou baleado nas costas, na barriga e morreu.

Um suposto parceiro fugiu de carro quando viu o plano fracassar, dando sorte de não ter sido perseguido pelas viaturas da Rota que chegavam à base. O então secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, classificou a história contada pelos PMs como "bisonha".

Meses após o crime, a Folha teve acesso a relatório de inteligência do próprio governo paulista que apontava suspeitas de fraude e colocava como contexto para isso as investigações contra integrantes do batalhão por suspeitas de assassinatos e envolvimento com quadrilhas de roubo de cargas.

"Possivelmente, o atentado contra a mencionada sede miliciana seria para tirar o foco de práticas ilícitas envolvendo integrantes da Rota e martirizar os envolvidos", diz trecho de documento enviado ao governo.

O ataque contra o quartel da Rota foi divulgado 17 horas após o então comandante do batalhão, o tenente-coronel Paulo Adriano Telhada, afirmar também ter sido vítima de atentado, este ocorrido em sua casa, na zona norte. Policiais ouvidos pela Folha também suspeitam da veracidade deste ataque.

Entre as suspeitas de fraude no ataque ao quartel, estavam a possibilidade de o tiro contra uma parede ter sido feito pelos próprios PMs, que o suposto coquetel molotov despareceu e no local onde a vítima caiu, com disparos pelo corpo, não foram encontradas marcas de sangue –levantado suspeitas do local da morte.

As eventuais dúvidas sobre os laudos e a investigação, que poderiam ter sido esclarecidas durante o julgamento, ficaram prejudicadas porque o promotor decidiu liberá-las, sem consultar a assistência da acusação.

Mesmo com o pedido da Promotoria de absolvição e a liberação das testemunhas, a equipe de advogados que representava a família da vítima sustentou o pedido de acusação aos jurados, no tempo disponível à acusação, reforçando os pontos do processo que reforçam a suposta farsa.

"Nós vamos recorrer porque não houve legítima defesa. Houve uma execução, conforme as provas nos autos", disse a advogada Roselle Soglio.

A viúva do suspeito morto pela Rota, Ana Paula Sons, que desde o início sustenta a versão de fraude, diz que o marido nunca atacaria o prédio da Rota até pelo estado de saúde, dependente químico, e pela absoluta falta de dinheiro para compra de uma pistola semiautomática.

Na noite desta quinta, a família agradeceu à advogada pela tentativa de reverter a situação criada Promotoria. "Foi contada muita mentira. Mas, o que Deus faz na minha vida, eu não critico", disse Ana à Folha.

A família sempre sustentou a suposta participação do irmão de Sons no crime, conforme a própria mãe dos dois disse em depoimento. Esse irmão, ex-PM da Rota, teria oferecido uma forma de resolver o problema que "matariam dois coelhos com uma paulada só", insinuando uma forma fora da lei.

Esse irmão sempre negou tal participação.

Após o término do julgamento, a Folha tentou contanto com o promotor Bruno Fernandes Barp. Ele respondeu que não dava declarações e pediu que questionamentos fossem enviados à assessoria de imprensa do Ministério Público. "A decisão [de liberar as testemunhas] não foi com a assistência de acusação, mas foi porque todos os depoimentos importantes estavam nos autos", limitou-se a dizer.

O promotor não respondeu, porém, porque preferia ler os depoimentos e não ouvir as próprias testemunhas técnicas, até porque estava responsável pelo caso havia pouco tempo. Conforme pessoas ligadas ao processo, ele assumiu dois dias antes do julgamento.

A Folha procurou o Ministério Público para que essa dúvida fosse sanada, quanto tempo Barp está no caso, mas o pedido não foi respondido até a publicação desta reportagem.

A realização do julgamento também ocorreu devido aos recursos apresentados pela Promotoria e assistência de acusação, porque, em 2019, os PMs tinham sido absolvidos sumariamente pela juíza Débora Faitarone, do 1º Tribunal do Júri de São Paulo, que defendeu os policiais suspeitos e lamentou a "triste realidade" da sociedade que põe em dúvida a palavra de um PM.

"E isso se deve ao fato de que, infelizmente, vivemos em uma sociedade na qual a palavra de um criminoso vale mais, inclusive para algumas autoridades da Segurança Pública, do que a palavra de dois policiais militares, com 20 anos de corporação e cujos superiores, quando ouvidos em audiência, atestaram a idoneidade e comprometimento deles com a função", diz trecho da decisão.

Essa decisão foi reformada, porém, em 2020, pelo Tribunal de Justiça. Para o desembargador Osni Pereira, relator do processo, o exame das provas produzidas leva à conclusão de que a pronúncia dos acusados é decisão que se impõe e a magistrada não poderia absolver os PMs por conta própria.

Pereira afirmou, ainda, que a versão apresentada pelos apelados não está em "consonância com a reprodução simulada dos fatos e pelos demais laudos periciais". Também cita fala da delegada Cíntia, de que a "versão apresentada pelos apelados não condizia com a realidade dos fatos".

"Ademais, embora a tese da excludente de ilicitude (legítima defesa) apresentada pelos policiais seja defensável, é certo que a competência para acolhê-la ou não é do Conselho de Sentença, competindo ao magistrado somente reconhecê-la quando for estreme de dúvidas, o que não é o caso dos autos", afirmou o magistrado em sua decisão.

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