Revisão do zoneamento propõe ampliar comércio na Rebouças, em SP

Mudança de uso da avenida opõe empresários e moradores dos Jardins, bairro nobre na zona oeste da capital

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São Paulo

A proposta da Câmara Municipal de São Paulo para a revisão da Lei de Zoneamento apresentada nesta segunda-feira (4) prevê a liberação de comércios com maior capacidade de atrair público para o trecho da avenida Rebouças, nos Jardins. O Legislativo também propõe aumento do tamanho das construções na região.

A medida é pleiteada por empresários e proprietários de terrenos no local, mas desagrada moradores do bairro de alta renda da zona oeste, que é exclusivamente residencial e tombado por órgãos de preservação do patrimônio.

Outras modificações incluídas no texto sinalizam para um zoneamento que irá estimular ainda mais a construção de prédios em áreas centrais dos principais bairros da cidade, dando continuidade à expansão da verticalização proposta pela reforma do Plano Diretor neste ano.

O texto será votado em dois turnos pelos vereadores, sendo o primeiro na próxima quinta (7) e, o segundo, no dia 14. Audiências públicas ocorrerão entre as votações.

Imagem aérea da Rebouças
A avenida Rebouças, entre os bairros Jardins e Pinheiros, tem contraste entre edifícios de grande porte, à direita, e imóveis residenciais e comércio de pequeno porte, à esquerda - Zanone Fraissat - 16.jun.2023/Folhapress

No marco regulatório da cidade, o zoneamento é responsável por definir as características de cada bairro, quadra a quadra, e segue um planejamento mais amplo —o do Plano Diretor— sobre como a cidade deverá se desenvolver nos próximos anos.

O Plano Diretor paulistano é de 2014. Aprovado na gestão de Fernando Haddad (PT), foi revisado na prefeitura de Ricardo Nunes (MDB) e tem vigência até 2029. A Lei de Zoneamento, de 2016, passa por reforma para ser adequada ao novo plano.

Frente de batalha entre moradores e empresários locais, trechos de avenidas como Rebouças, Nove de Julho e Europa estão classificados no zoneamento da cidade como ZCOR, sigla para zonas corredores. São vias que ficam nas bordas das chamadas ZER, as zonas exclusivamente residenciais.

Se em uma ZER são permitidas apenas residências, na ZCOR há autorização para atividades empresariais consideradas compatíveis com a vizinhança. Há três graus de zona corredor: a primeira (ZCOR-1) é a mais restritiva e só permite serviços, como lavanderias e cabeleireiros; as demais (ZCOR 2 e 3) aceitam comércios.

A avenida Rebouças está atualmente em uma ZCOR-2, que autoriza comércio com potencial de gerar movimento considerado médio. Já ZCOR-3 possibilita atividades que geram mais público.

Por exemplo, enquanto na ZCOR-2 restaurantes podem atender até 100 clientes simultaneamente, na ZCOR-3 o número de lugares disponíveis sobe para 500.

A Câmara está propondo a mudança de ZCOR-2 para ZCOR-3 a primeira fileira de lotes na chamada margem esquerda da Rebouças —para quem vai do centro ao bairro—, entre a rua Estados Unidos e avenida Brigadeiro Faria Lima.

O texto ainda prevê aumento em 50% do coeficiente de aproveitamento dos terrenos. Isso permite construir prédios maiores nos lotes, medida que tende a aumentar o interesse do mercado imobiliário.

Relator do projeto na Câmara, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) afirmou nesta segunda que a alteração permitira subir a altura máxima dos prédios de 10 para 15 metros.

Se aprovada, a modificação tem impacto importante na dinâmica local porque pode diminuir o contraste entre as ocupações e usos dos dois lados da via.

O zoneamento restritivo é apontado pelo setor imobiliário como o principal responsável para que a margem esquerda da Rebouças, onde estão os Jardins, possua diversos imóveis de porte médio com aspecto de abandono.

Do lado direto está o bairro Pinheiros, onde uma ZEU (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana) —um zoneamento aplicado nos arredores de corredores de ônibus e estações de metrô e trem— permite maior potencial construtivo em relação ao terreno e não impõe limite de altura para os edifícios.

A consequência dessa diferença é a forte verticalização concentrada apenas do lado direito da via.

Existem outras restrições sobre os corredores comerciais nos Jardins que a revisão do zoneamento não conseguirá mudar sem que outras regras sejam alteradas.

Nas avenidas Europa e Nove de Julho, que são ZCOR-2, nem mesmo os parâmetros já permitidos pelo zoneamento são plenamente aplicados.

Uma regra inserida na legislação de 2016 proibiu atividades como o funcionamento de restaurantes com 100 lugares nessas regiões. Para funcionar, estabelecimentos do tipo estão escorados em decisões judiciais provisórias.

Grupos de empresários pressionam pela derrubada desta restrição, mas enfrentam resistência de moradores do miolo do bairro. Na Câmara também não há consenso sobre o tema, segundo o relator.

Existe ainda uma camada a mais de proteção contra a verticalização nos jardins América, Europa, Paulista e Paulistano. Desde 1986 a localidade é tombada pelo Condephaat, o órgão estadual de preservação do patrimônio.

O tombamento impõe, por exemplo, a proibição de edificações com altura superior a dez metros. É um empecilho à elevação do gabarito para 15 metros na margem esquerda da Rebouças, como quer a Câmara.

Goulart disse nesta segunda, após apresentar o substitutivo, que a mudança no zoneamento colocará diante dos órgãos de preservação a necessidade de revisão das regras. O Condephaat mantém desde junho uma discussão quanto à revisão de alguns dos critérios de tombamento dos Jardins, mas a discussão não avançou.

Verticalização deve persistir em bairros, vilas e zonas de exclusão de eixos

O substitutivo da Lei de Zoneamento apresentado nesta segunda ainda não define quais tipos de zoneamento serão aplicados sobre 747 áreas bloqueadas contra as ZEUs.

Os bloqueios valem para quadras com barreiras urbanas, naturais ou elementos que dificultem o trânsito de pedestres, como ladeiras. É, por exemplo, o caso da Vila Madalena. Na proposta da Câmara, o bairro da zona oeste tem dezenas de quadras que aparecem bloqueadas contra ZEUs.

Goulart sinalizou a possibilidade de que algumas dessas áreas sejam demarcadas como ZCs (zonas de centralidade), que permitem prédios de 48 metros. Moradores são contra porque isso ainda permitiria edifícios grandes.

Esta é apenas uma das regras que pode fazer a verticalização persistir na cidade. Outra mudança prevista é a possibilidade de redução de 50% para 40% da área das quadras já verticalizadas para que os demais lotes tenham gabaritos liberados até a altura dos prédios já existentes.

Arredores de vilas também ganham flexibilidade em relação à limitação da altura dos prédios. Nas 1.042 quadras com esse tipo de conjunto de habitações, e em outras possivelmente identificadas com características semelhantes, moradores poderão pedir a caracterização ou a descaracterização dos locais.

Na prática, se todos os proprietários da vila quiserem, os lotes podem ser vendidos para que uma construtora erga sobre eles um prédio com altura compatível com o zoneamento local.

O contrário também é possível. Em conjunto, moradores podem requisitar a classificação como vila de um conjunto de residências, desde que as características sejam compatíveis.

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