Brasil tem primeira fuga em penitenciária federal, em Mossoró (RN)

Lewandowski ordena intervenção na unidade após dois presos escaparem; para corregedor, episódio é o mais grave na história do sistema criado em 2006

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Recife, Brasília e São Paulo

Dois presos fugiram de uma penitenciária federal de segurança máxima em Mossoró, no Rio Grande do Norte, a 277 quilômetros de Natal, nesta quarta-feira (14). É a primeira fuga desde a inauguração, em 2006, do sistema criado para isolar lideranças de facções criminosas e presos perigosos do país.

Recém-empossado ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski determinou o afastamento imediato da atual direção da unidade e escalou um interventor —o nome do novo gestor não foi divulgado por questão de segurança.

Os fugitivos são Rogério da Silva Mendonça, 36, conhecido como Martelo, e Deibson Cabral Nascimento, 34, chamado de Deisinho ou Tatu. Até a publicação, os detentos não haviam sido localizados.

Detentos Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça, foragidos do presídio federal de Mossoró, no RN - Reprodução

A principal suspeita até o momento é que os dois presos teriam usado materiais de uma obra do pátio da penitenciária como instrumentos na ação, de acordo com pessoas com acesso à investigação.

Os detentos teriam aberto um buraco no teto da cela e conseguido escapar do local, durante o banho de sol.

Ainda não há informações se houve ajuda de agentes penitenciários, de outros funcionários ou pessoas de fora na fuga. As duas hipóteses estão sendo investigadas, mas já há consenso de que houve falha na inspeção.

Os dois presos estavam em RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), onde as regras são mais rígidas que as do regime fechado. Nesse tipo de ala há um local para o banho de sol para que os detentos não tenham contato com outros presos.

Martelo e Deisinho eram oriundos do estado do Acre, onde, em julho do ano passado, teriam participado de uma rebelião que deixou cinco mortos, em suposta guerra entre facções criminosas.

De acordo com o governo acreano, eles, que se declaram integrantes do CV (Comando Vermelho), estavam entre os 14 presos transferidos para o sistema federal, em setembro, por suspeita de liderarem a matança.

Eles cumpriam penas de 74 anos e 81 anos, respectivamente, no presídio de segurança máxima Antônio Amaro, destinado a abrigar chefes do crimes. Ambos foram condenados a crimes envolvendo roubo à mão armada, ainda conforme o Governo do Acre.

Segundo a polícia, os presos renderam funcionários do presídio em 26 de julho e seguiram para um local onde estavam guardadas as armas dos policiais. De lá, seguiram para o pavilhão reservado para integrantes de facções rivais, entre eles do PCC e B13.

O ataque terminou com cinco mortos, sendo três deles decapitados.

Após a notícia da fuga nesta quarta, Lewandowski também determinou a revisão de equipamentos e protocolos de segurança nas cinco penitenciárias federais do país.

A medida foi anunciada junto com outras ações em nota divulgada pelo ministério, como o pedido de registro dos fugitivos no sistema de Difusão Laranja da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal) e no Sistema de Proteção de Fronteiras.

A pasta do governo Lula (PT) ordenou ainda a ação das Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (Ficco), grupo que reúne policiais federais e estaduais em ações de repressão ao crime organizado. De acordo com o ministério, há ao menos cem agentes federais envolvidos nas buscas.

Há também reforço nas buscas em rodovias com a PRF (Polícia Rodoviária Federal).

O secretário nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, André Garcia, embarcou para Mossoró para acompanhar as buscas e a apuração das circunstâncias da fuga. Já o ministro está em São Paulo, de onde monitora as ações.

As secretarias estaduais de Segurança Pública e de Administração Penitenciária do Rio Grande do Norte anunciaram, por meio de nota, que realizam patrulhamento aéreo por meio de um helicóptero na região de Mossoró na busca pelos fugitivos.

O governo estadual, comandado por Fátima Bezerra (PT), informou que fez contato com as secretarias de Segurança Pública da Paraíba e do Ceará para a realização de ações integradas de reforço policial nas divisas entre os estados.

As outras quatro penitenciárias federais de segurança máxima estão localizadas em Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Porto Velho (RO) e Brasília. A penitenciária que fica em Mossoró foi inaugurada em 2009 e tem capacidade para 208 presos.

A unidade também abriga Luiz Fernando da Costa, conhecido como Fernandinho Beira-Mar, que foi transferido em janeiro deste ano para a unidade.

O sistema conta com atendimentos médicos, farmacêuticos, psicológicos, odontológicos, para que os presos saiam da unidade somente em casos extremos.

Para o juiz federal Walter Nunes, corregedor do Penitenciária Federal de Mossoró, o episódio é, "sem dúvidas", o mais grave da história dos presídios de segurança máxima do país.

Penitenciária de segurança máxima em Mossoró (RN)
Penitenciária de segurança máxima em Mossoró (RN) - Divulgação/MJSP

Nunes, que também é coordenador geral do Fórum Permanente do Sistema Penitenciário Federal, acrescentou que a situação será analisada e haverá uma reunião nesta quinta-feira (15) no presídio.

Até esta quarta, nunca tinha havido registro de fuga, rebelião ou de entrada de materiais ilícitos em penitenciárias de segurança máxima nacional, desde a inauguração do sistema.

A fuga dos dois presos nesta quarta deve servir de oportunidade para que o atual modelo do sistema seja repensado, na avaliação de Rafael Godoi, professor de sociologia do departamento de Ciências Sociais da Uema (Universidade Estadual do Maranhão).

"O modelo da super max não é eficiente. Os efeitos na taxa de criminalidade não têm sido observados. É um modelo que gera mais violência. A promessa de uma solução pelo isolamento não se cumpre e essas unidades acabaram sendo importantes no processo de nacionalização de organizações criminosas do Sudeste", diz.

Problemas de segurança já ficaram marcados em presídios estaduais, que passam pela superlotação carcerária e o comando de facções criminosas.

Como mostrou a Folha, as duas maiores facções do país, PCC e Comando Vermelho, têm atuado em presídios estaduais de 24 estados e no Distrito Federal, com um crescimento mais acentuado do Comando Vermelho.

"A história do sistema de segurança máxima não começa em 2006. Tivemos a penitenciária de Bangu 1, que tinha essa proposta e foi palco de fugas. Antes ainda teve o presídio da Ilha Grande, que também registrou casos. A fuga não é uma novidade", diz o pesquisador.

Sobre o caso específico da unidade de Mossoró, Godoi afirma o caso terá o efeito de desmistificar a efetividade de isolar as lideranças do crime da forma como está sendo feito atualmente.

Entre as avaliações necessárias para o sistema prisional brasileiro, segundo o pesquisador, está a análise sobre penas alternativas para crimes sem violência e a habitabilidade dos locais, já que o aumento da população carcerária e as condições nas quais vive são instrumentos usados pelas organizações criminosas para conseguir membros.

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