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Prefeitura de SP ignora decisão judicial e indeniza gestora de creches em R$ 7,1 milhões

OUTRO LADO: Gestão Ricardo Nunes (MDB) afirma que acordo com entidade extinguiu 17 ações de cobrança, em pleito já indeferido por tribunal

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São Paulo

A Prefeitura de São Paulo pagou indenização de R$ 7,1 milhões, por meio de acordo extrajudicial, para a Sobei (Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos), uma organização social que administra 15 creches terceirizadas na capital e já teve o prefeito Ricardo Nunes (MDB) como um de seus voluntários.

O acordo foi celebrado em agosto de 2023, mesmo depois de a gestão Nunes ter obtido decisão na Justiça que isentava a prefeitura de restituir à entidade os valores correspondentes a reajustes de aluguéis entre 2019 a 2023.

Em nota, a gestão diz que o acordo extrajudicial "foi mediado pela Procuradoria-Geral do Município, com base na legislação vigente, e teve como propósito reduzir prejuízos financeiros dos interessados, entre eles a gestão municipal". A DRE (Diretoria Regional de Ensino) da Capela do Socorro, na zona sul, também faz parte do acordo.

Prefeito Ricardo Nunes e o dirigente da Sobei, Luiz Baldo Sobrinho, durante festa em outubro de 2023
Prefeito Ricardo Nunes e o dirigente da Sobei, Luiz Baldo Sobrinho, durante festa em outubro de 2023 - Reprodução/Facebook

Em 2022, a Sobei ingressou com cinco ações no Tribunal de Justiça de São Paulo reclamando de que, desde 2017, a prefeitura vinha deixando de pagar o reajuste definido pelo IGP-M (Índice Geral de Preços-Mercado), aplicado nos contratos de locação dos imóveis que recebem as creches.

Nesse modelo de parceria com as mantenedoras, a prefeitura mantém sob a responsabilidade de entidades, como a Sobei, fazer os contratos de locação.

A administração pública pode aprovar o valor do contrato e repassar o recurso para que a entidade pague o aluguel ao dono do imóvel. Assim, a prefeitura não figura como locatária de nenhum prédio das creches.

Uma portaria publicada em 2017 estabeleceu que o aluguel deve ser no máximo 0,8% do valor venal de referência do imóvel. A Sobei, no entanto, alegou que a portaria não condiz com a lei do inquilinato, que estipula que o reajuste não pode ser feito de forma unilateral.

Em nota, a instituição também argumenta que a portaria "gerou um descompasso nos valores dos aluguéis, uma vez que, desde 2017, a prefeitura passou a utilizar o índice previsto na portaria, ignorando o compactuado em contrato [reajuste pelo IGP-M], e dessa forma efetuando os aumentos e repasses em valores bem inferiores aos que deveriam ter sido pagos".

Como exemplo, uma das creches administradas pela Sobei, a CEI Jardim Macaúbas, deveria, após um ano de contrato, pagar a quantia mensal de R$ 44.424,19, mas depositou R$ 37.245,60 —cerca de 80% do valor.

Administradora do imóvel, a Fermajan Construtora ingressou com ação de execução contra a mantenedora para cobrar a diferença, e a Justiça mandou bloquear R$ 1,1 milhão em agosto de 2022 das contas da Sobei. O montante é referente apenas ao imóvel da CEI Jardim Macaúbas.

A Fermajan tinha como sócio um dos fundadores da Sobei, Benjamin Ribeiro da Silva, que morreu em agosto de 2023.

Agora, pelo acordo extrajudicial entre prefeitura e a entidade, a gestão Nunes vai indenizar a diferença de mais seis creches. O reembolso somente para unidade Jardim Macaúbas é de R$ 1,2 milhão.

Com o acordo, a Sobei se comprometeu a desistir das ações que protocolou.

O Tribunal de Justiça, porém, já havia decidido que não houve descumprimento contratual por parte da prefeitura que justificasse a ação de cobrança. Entendeu ainda que a parceria com a organização social não impõe à administração municipal reajustar o seu repasse por causa do aumento de aluguel.

"Sendo variável [para reajuste do contrato] o valor decorrente do número de crianças atendidas [nas creches]", escreveu o desembargador Carlos Von Adamek, relator do caso.

Foto da reunião de agosto de 2019 em que aparecem o vereador e candidato a vice-prefeito Ricardo Nunes (MDB), o secretário municipal de Educação, Bruno Caetano, o perito Antonio Souza e Luiz Baldo, presidente da Sobei
Foto da reunião de agosto de 2019 em que aparecem o então vereador e candidato a vice-prefeito Ricardo Nunes (MDB), o secretário municipal de Educação, Bruno Caetano, o perito Antonio Souza e Luiz Baldo, presidente da Sobei - Facebook/Reprodução

A prefeitura disse, em nota, que o valor do acordo representa "a exata correção inflacionária do período, que foi reconhecido pela administração como devido, após minucioso levantamento de cada situação e das ações judiciais".

O presidente da Sobei, Luiz Baldo Sobrinho, nega que o aporte de R$ 7,1 milhões vá restituir a Sobei. "Mas sim às contas-poupanças de fundo provisionado, das quais tiveram valores levantados nas penhoras em razão do descompasso dos valores locatícios", escreveu Baldo, em nota à Folha.

Com o acordo, a gestão Nunes ressalta que foram extintas 17 ações —12 delas movidas pelas administradoras dos imóveis usados pela Sobei e outras cinco da própria entidade contra a prefeitura.

Fundada em 1984, a Sobei está entre as principais mantenedoras de creche da capital e atende mais de 5.000 crianças. Nunes foi eleito em março de 2015 para integrar o quadro de conselheiro deliberativo até 2019.

O prefeito participou de evento festivo da Sobei em outubro do ano passado e posou para fotos com o presidente Luiz Baldo e outros integrantes da instituição.

A reportagem questionou qual é a atual ligação entre o prefeito e a Sobei. A prefeitura não respondeu sobre esse ponto, e a instituição de Interlagos disse que Nunes teve participações como voluntário na Sobei e em diversas organizações antes de sua carreira política.

Reportagem da Folha publicada em outubro de 2020 mostrou que Nunes, na época candidato a vice-prefeito na chapa de Bruno Covas (PSDB), havia promovido cerca de um ano antes uma reunião entre o então secretário municipal de Educação e representantes de mantenedoras de creches, inclusive o próprio Baldo, para tratar da questão dos aluguéis.

Na ocasião, a gestão Covas não atendeu ao pleito e disse, por nota, que o "pedido já havia sido judicializado, e a Secretaria Municipal de Educação apenas orientou a mantenedora sobre os procedimentos que foram implementados para que fossem revistos os aluguéis dos prédios que abrigam creches na cidade".

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