Contaminação por mercúrio causa graves deficiências cognitivas em crianças yanomamis

Pesquisa da Fiocruz identificou que todas as analisadas, de nove aldeias, foram contaminadas pelo metal pesado

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São Paulo

Uma pesquisa inédita da Fiocruz identificou que a contaminação por mercúrio em indígenas yanomamis tem provocado graves deficiências cognitivas nas crianças da etnia. Os resultados apontam que, quanto mais elevados são os níveis de intoxicação pelo metal pesado, mais frequentes são os déficits cognitivos.

O estudo foi feito em nove aldeias no Alto Rio Mucajaí, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. O local é alvo do garimpo ilegal há décadas, o que vem causando destruição ambiental, insegurança, violência e prejuízos à saúde dos indígenas.

"O mercúrio é apenas a ponta de um iceberg. O responsável por tudo o que afeta a saúde dessas comunidades é o garimpo. O mercúrio é apenas uma das parcelas de danos causados pelo garimpo", diz Paulo Basta, coordenador do grupo de pesquisa Ambiente, Diversidade e Saúde da Fiocruz

As coletas, feitas em outubro de 2022, identificaram que todas as 287 amostras de cabelo de indígenas examinadas tinham exposição ao mercúrio, assim como todos os peixes coletados. O trabalho foi feito pela Fiocruz com o apoio do ISA (Instituto Socioambiental).

Indígena yanomami dá banho em criança na casa de apoio da Funai em Barcelos (AM) - Lalo de Almeida 12.mai.2023/Folhapress

Para avaliar o impacto da contaminação no desenvolvimento cognitivo, os pesquisadores realizaram pela primeira vez testes de quociente de inteligência (QI) nos indígenas. A média de valor de QI entre as 58 crianças participantes foi 68 (o índice vai até 120).

"O que nos observamos nos resultados é que, quanto maiores são os níveis de contaminação, maior é a frequência de danos provocados. E estamos falando aqui de danos permanentes e irreversíveis, que vão afetar o desenvolvimento cognitivo e a capacidade intelectual das crianças", diz Basta.

"Esses efeitos vão ser levados para a vida adulta, vão afetar a qualidade de toda a vida dessas crianças", continua o pesquisador.

Pesquisas já haviam indicado que o metilmercúrio pode provocar alterações sensoriais, motoras e cognitivas irreversíveis, resultando em diversos prejuízos. A exposição ao metal pesado é particularmente grave em gestantes, já que ultrapassa a barreira placentária e atinge o feto em formação no útero.

Além do risco de causar abortamento ou anomalias e deformidades congênitas nas crianças, o mercúrio pode provocar retardo nos marcadores de neurodesenvolvimento dos bebês.

"Demorando a se sentar, engatinhar, dar os primeiros passos e emitir as primeiras palavras. À medida que a criança cresce, podem surgir dificuldades para brincar com outras crianças e problemas no aprendizado, como resultado de perdas cognitivas, que terão repercussões negativas na vida adulta", diz o estudo.

Ainda que a pesquisa tenha encontrado fortes indícios dos efeitos da contaminação nos déficits cognitivos, os pesquisadores destacam que a desnutrição infantil e outros problemas sanitários e sociais também podem estar relacionados aos problemas.

O estudo identificou ainda outras violações aos direitos dar crianças yanomamis desde a gestação, como falta de acompanhamento pré-natal, vacinação e estímulos educacionais, além de insegurança alimentar. Por exemplo, só 15,5% das crianças tinham a vacinação completa, e 27,3% apresentavam anemia.

"O que essas comunidades vivem é um combo de destruição causada pelo garimpo. É o garimpo que provoca a devastação de onde vivem e gera escassez de alimentos, de caça, de áreas agricultáveis, contamina os rios. É isso o que gera insegurança alimentar, que leva à fome e desnutrição", diz o pesquisador.

Ele cita ainda as alterações ambientais provocadas pelo garimpo que levam ao aumento de doenças transmissíveis como a malária.

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