Descrição de chapéu São Paulo

Com balada nas alturas e telemarketing, centro de SP atrai novos negócios e vive retomada

Número de empresas na região cresceu 40% no pós pandemia; atividades no interior e topos de prédio ganham força, mas recuperação do comércio de rua é lenta

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A imagem mostra uma festa em um terraço à noite. À esquerda, há uma área interna com luzes vermelhas e várias pessoas reunidas. À direita, há uma área externa com uma vista da cidade ao fundo, iluminada por luzes urbanas. Uma luminária de parede está acesa, iluminando a área externa.

Área do Ephigenia, nova casa noturna aberta no alto de um prédio no viaduto Santa Ifigênia, no centro de São Paulo - Rafaela Araújo / Folhapress

São Paulo

Do terraço da recém-inaugurada casa noturna no 22º andar dá para ver as lojas com portas de aço fechadas, entre elas a do tradicional Café Girondino, que encerrou operação em maio após 26 anos funcionando no mesmo endereço do centro histórico de São Paulo.

O contraste entre topo e térreo dos prédios no entorno do Mosteiro São Bento reflete um fenômeno pós-pandêmico: apesar da alta de 40% no número de empresas que iniciaram atividades na região central entre 2019 e 2023 –passando de 15 mil para 21 mil– e da queda de 10% nos encerramentos anuais –de 6.300 para 5.700–, o que ainda se vê nas ruas são muitos estabelecimentos fechados.

Para achar a explicação é preciso olhar para o alto, segundo Roberto Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo. "As empresas estão se instalando do primeiro andar para cima", diz.

Imagem aérea mostra topos dos três prédios iluminados se destacando na noite escura
Do alto, o terraço iluminado do edifício Fernão Dias onde está a casa noturna Ephigenia (à esquerda), com vista para o Farol Santander (ao centro) e o edifício Martinelli (à direita), no centro histórico de São Paulo - Rafaela Araújo/Folhapress

Os números de abertura e fechamento de empresas, levantados a pedido da Folha pela Secretaria Municipal da Fazenda, referem-se aos oito distritos da região central: Sé, República, Bom Retiro, Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, Liberdade e Cambuci.

Se observada apenas a evolução das empresas ativas no triângulo histórico paulistano –área do centro delimitada pelo Pateo do Collegio e os largos São Francisco e São Bento–, há reforço da ideia de a região tem ganhado a preferência de empreendimentos que não funcionam com a porta para rua.

De janeiro a maio de 2023, o comércio varejista representava 26 dos 79 negócios ativos no perímetro, seguido de longe por empresas de alimentação e de pesquisas, ambos com 6 estabelecimentos cada, segundo dados da Associação Comercial.

No mesmo período de 2024, as lojas do varejo ainda lideravam, representando 30 de 117 empresas, mas com uma fatia menor do bolo. O segmento caiu de 33% para 27% no intervalo. Além disso, o setor passou a ser seguido de perto por 24 empreendimentos de saúde (20%) e por 21 do ramo de escritórios (18%). A associação disse não ter dados de períodos anteriores.

Foi na cobertura do septuagenário edifício Fernão Dias, na esquina da avenida Prestes Maia com o viaduto Santa Ifigênia, que o empresário Exequiel Felipelli, 41, encontrou uma oportunidade de inaugurar a casa noturna Ephigenia com um atrativo que ele descreve como ímpar. "Aqui temos uma vista de quase 360 graus para o centro de uma megalópole belíssima quando está iluminada", diz. "É algo raro não só no Brasil, mas no mundo."

Para empreender nas alturas, porém, o argentino radicado há 20 anos no Brasil precisou lidar com o temor que a rua desperta, sobretudo à noite. Dez seguranças particulares ficam espalhados no trecho de 100 metros do ponto de parada dos carros de aplicativo até a porta.

Apesar de um posto da Polícia Militar funcionando 24 horas na esquina, é preciso dar sensação de segurança para um público que acha que a cracolândia está por todo centro, explica o empresário. A cena de consumo de drogas a céu aberto está a 1 km do prédio. "Isso tem um custo, mas vale a pena, queremos fazer parte desse movimento de recuperação", diz Felipelli.

Ampla oferta de transporte e acessos viários, diversidade de serviços, conexão de internet e energia relativamente estáveis compõem vantagens há muito tempo presentes na região. A novidade no pacote é a possibilidade de usufruir dessa infraestrutura com custo mais baixo.

Além da disponibilidade de espaços a preços mais acessíveis do que em áreas estruturadas das zonas oeste e sul, Prefeitura de São Paulo e Câmara Municipal têm aprovado ou ampliado diferentes benefícios que vão desde a aplicação direta de recursos na modernização de edifícios, isenção parcial de IPTU e redução de 5% para 2% da alíquota do ISS (Imposto Sobre Serviço) para alguns segmentos empresariais.

Pagar menos impostos tem sido o fiel da balança para negócios com margens de lucro diminutas traçarem planos de se instalarem no centro, afirma Gustavo Faria, vice-presidente da ABT (Associação Brasileira de Telesserviços).

Com 1,4 milhão de trabalhadores formais no país, o setor emprega 15 mil funcionários em quatro empresas nos distritos Sé e República e traça planos para abrir cerca de 10 mil postos nos arredores nos próximos dois anos. "É uma estimativa conservadora, esse número poderá ser maior com a revitalização", diz Faria.

Citando a percepção de aumento na presença de policiais nas ruas e a alta expectativa com o avanço do programa de monitoramento por câmeras prometido pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), o representante da ABT diz que a segurança é fundamental para a expansão. "Temos 60% de jovens de 18 e 29 anos e 70% de mulheres entre nossos funcionários, são grupos mais vulneráveis à violência urbana", explica.

A gestão Nunes argumenta que a questão da segurança é enfrentada com 2.100 agentes da guarda metropolitana e 3.000 câmeras de vigilância integradas no programa de monitoramento por vídeo compartilhado por diferentes órgãos públicos, o Smart Sampa.

Outro tipo de segurança, a jurídica, é o que garantirá a continuidade da atração de investimentos, afirma o secretário da Casa Civil municipal, Fabrício Cobra Arbex.

Ele considera que investidores conseguem enxergar neste momento a possibilidade de retorno seguro diante da capacidade financeira do município em manter os estímulos aprovados ou em aprovação.

Arbex cita o acordo para a cessão do aeródromo do Campo de Marte para a União em troca do perdão de R$ 24 bilhões em dívidas como uma das medidas que garantem dinheiro no caixa da prefeitura. "Existe uma estratégia por trás dessas ações e isso faz diferença na percepção de quem investe na cidade", diz.

A chegada de empreendimentos de diferentes perfis traz otimismo quanto à requalificação, diz Silvio Oksman, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do Ibmec. Mas ele pondera que a mudança só estará completa se as diversas iniciativas do poder público voltadas à habitação efetivamente resultarem em mais moradores permanentes para a região. "O comércio depende desse consumo cotidiano, de pessoas de todas as camadas sociais", diz.

Expectativa ainda distante de empresas cambaleantes devido à falta de gente nas ruas. Um ano após a cracolândia ter saído da porta do Shopping Moto e Aventura, nos Campos Elíseos, o proprietário do estabelecimento, José Renato Bonventi, 57, relata melhora apenas discreta nos negócios. "Estamos muito longe do que éramos", diz. "Tínhamos uma praça de alimentação que recebia 1.200 pessoas por dia, hoje isso não passa de 250."

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